Qual a Causa dos Tumores Cerebrais?
- 7 de ago de 2017
Por Dra. Sâmia Yasin Wayhs – Os tumores primários do sistema nervoso central (SNC) correspondem a 2% das malignidades. Os gliomas malignos constituem o tipo de tumor intra-axial primário mais comum, correspondendo de 40 a 60%1 ou até 70%.2 Têm incidência de 5:100.000 casos por ano e estima-se que aproximadamente 25.000 novos casos de câncer maligno no cérebro sejam diagnosticados nos EUA a cada ano, responsáveis por cerca de 15.000 mortes.3 No Brasil, em 2014, foram 4.960 casos novos de câncer do SNC em homens e 4.130 em mulheres, com risco estimado de 5,07 casos novos a cada 100 mil homens e 4,05 a cada 100 mil mulheres.
Os tumores do SNC são considerados, em escala de frequência, o 14º tipo mais comum em homens e o 15º em mulheres. As maiores taxas de incidência ocorrem nos países europeus, nos quais a sobrevida relativa para pacientes com tumores do SNC, em 5 anos, é de 18,5% em homens e de 21,7% em mulheres.
Durante as últimas décadas, a incidência e a mortalidade dos tumores do SNC aumentaram na maioria dos países desenvolvidos, principalmente nas faixas etárias mais avançadas. Parte desse aumento na incidência se deve à melhoria no diagnóstico e à introdução de novas tecnologias menos invasivas, como a tomografia computadorizada, a ressonância magnética e a tomografia por emissão de pósitrons (PET scan).
O câncer do SNC contribui significativamente para a morbidade global. A distribuição etária da incidência possui um pico em crianças e outro em adultos acima dos 45 anos, tendo incidência ligeiramente mais alta no sexo masculino, razão de aproximadamente 1,3, e entre grupos populacionais de maior nível socioeconômico.
Os gliomas malignos ou de alto grau incluem o astrocitoma anaplásico (grau III) e o glioblastoma (grau IV). São tratados por remoção cirúrgica, quimioterapia e radioterapia, com o objetivo de prolongar o tempo de sobrevida e melhorar a qualidade de vida. Entretanto, até o momento, não é possível curar a doença.2 A sobrevida média dos pacientes com gliomas de alto grau é de 2 a 3 anos, para o grau III, e de 14 a 15 meses, para grau IV4,5, o que reforça a necessidade de identificação das possíveis causas e a busca de novos tratamentos.
Recentemente, importantes avanços na compreensão da patogênese molecular dos gliomas malignos têm buscado progresso terapêutico2, em especial o entendimento dos principais fatores que iniciam a gliogênese.6 Várias hipóteses objetivam descrever os mecanismos implicados na transformação de uma célula normal em célula maligna. Problemas com as vias de sinalização ou de fatores de transcrição, bem como outros pequenos erros que podem ocorrer durante a neurogênese, têm mostrado guiar as células-tronco neurais a um fenótipo maligno. No entanto, a maior dificuldade reside no fato de que esses mecanismos são compartilhados entre células normais e células tumorais.
Esses mecanismos compartilhados são muito importantes para o crescimento celular normal, a proliferação, a autorrenovação e a diferenciação, mas também são importantes para a sobrevivência e a proliferação das células tumorais. O melhor entendimento dos tumores malignos e do comportamento das células malignas ajuda a desvendar os mecanismos que desencadeiam a tumorigênese, o que pode representar um importante ponto de partida na batalha contra o câncer.
Análises da expressão gênica que comparam tecidos normais e neoplásicos têm sido usadas para identificar genes associados a tumorigênese e alvos terapêuticos potenciais. Essa abordagem pode identificar genes diferencialmente expressos entre glioblastomas primários e tecidos cerebrais não neoplásicos.7 Um estudo do tecido de 20 pacientes com glioblastomas primários e astrocitomas anaplásicos e 10 amostras de tecido de substância branca não neoplásica selecionou 20 genes sobre-expressos relacionados com ciclo celular, movimento celular e crescimento, proliferação e sinalização da célula, analisados por reação em cadeia da polimerase (PCR) quantitativo em tempo real de cDNA.
Os níveis de expressão gênica foram significativamente maiores nos glioblastomas, quando comparados com a substância branca não neoplásica, em 18 dos 20 genes analisados: P <0,00001 para CDKN2C, CKS2, EEF1A1, EMP3, PDPN, BNIP2, CA12, CD34, CDC42EP4, ppie, SNAI2, GDF15 e MMP23b; e NFIA (P:0,0001), GPS1 (P:0,0003), LAMA1 (P:0.002), STIM1 (P:0,006) e TASP1 (P:0,01). Desses genes, cinco estão localizados em loci contígua 1p31-36, dois em 17q24-25 e oito codificam para proteínas de membrana de superfície. Os resultados indicaram a presença de 18 genes expressos nos glioblastomas primários humanos, que podem desempenhar um papel significativo na patogênese desses tumores, o que implica investigação adicional desses candidatos atraentes para aquisição de novos alvos terapêuticos.
Canais de aquaporinas (AQPs) são um grupo de proteínas de membrana integrais que regula o transporte de água, por meio das membranas celulares. Estudos prévios demonstraram que up-regulation de AQP1 e AQP4, duas das AQPs predominantes do cérebro humano, nos gliomas de alto grau contribui para o edema cerebral. Outros autores associam AQPs à regulação da migração e invasão celular de glioma humano. A citometria de fluxo parece ser um método promissor para a análise de porfirinas e AQPs em culturas de células cerebrais primárias tumorais.
Todavia, possivelmente o que gera maior curiosidade científica é o que pode desencadear essas sequências de mutações e alterações moleculares ou gênicas. O que inicializa essas alterações? Seriam modificações neuroimunológicas? A partir do quê? Seriam por hábitos de vida? Ainda não há evidências nesse sentido. Pouco se sabe sobre o perfil das respostas imunes nos tumores cerebrais, bem como sobre células e mecanismos neuroimunológicos responsáveis pelo controle do crescimento dos gliomas. Esses fatores indicam extrema necessidade em caracterizar o perfil imunológico dessa doença e buscar novas terapias para os pacientes. Diversos estudos recentes descrevem o potencial benéfico da imunoterapia para diferentes tipos de câncer, principalmente carcinomas metastáticos de rim e melanoma, em modelos pré-clínicos e ensaios clínicos, evidenciando a função primordial do sistema imune no controle das neoplasias. A imunoterapia tem se mostrado promissora, porém mais estudos são necessários para tumores cerebrais.
O aumento da proporção de neutrófilos circulantes em relação aos linfócitos é um achado comum no glioblastoma e em outros tipos de câncer. Estudos demonstram que qualquer dano ao tecido cerebral tende a causar aumento no fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF) e/ou no fator estimulador de colônias de granulócitos/monócitos (GM-CSF), sintetizados pelo cérebro. As próprias células de glioblastoma também sintetizam esses fatores, estimulando a medula óssea a modificar a hematopoiese para linhagens granulocíticas em vez das linfocíticas. Essa mudança é imunossupressora e gera a linfopenia relativa (e neutrofilia), característica do glioblastoma. Qualquer trauma para o cérebro, seja isquêmico, infeccioso, citotóxico ou tumoral, aumenta a síntese cerebral de G-CSF e GM-CSF, estimulando o crescimento e a ativação quimiotática para o glioblastoma.
Portanto, é preciso avançar em pesquisa acerca dos potenciais mecanismos etiológicos do câncer, bem como de identificação de novos alvos terapêuticos, a fim de evitar o desencadeamento da perda do equilíbrio molecular e o início das alterações gênicas ou neuroimunológicas – ainda tão difíceis ou impossíveis de tratar.
Referências bibliográficas
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