Relação de isolamento social e doenças psicodermatológicas

Relação de isolamento social e doenças psicodermatológicas

O confinamento que foi imposto, como forma de contenção da pandemia pela Covid-19, é um fator de grande estresse por ser um período longo e ainda indeterminado. Nessa situação, mesmo para uma pessoa que nunca teve transtorno mental, o estresse pode funcionar como gatilho, principalmente em relação à ansiedade e depressão.


O estresse, associado a outros fatores, como riscos de doença, problemas econômicos, abuso de álcool, solidão, funcionam como estímulos ao sistema nervoso central, que pode não reagir adequadamente e desencadear principalmente os sintomas de depressão, de transtornos de ansiedade ou até mesmo de suicídio.


O estresse pode ser físico, psíquico (emocional), ou misto (mais comum), e ainda ser considerado agudo ou crônico (geralmente mais longo e intenso). O estresse crônico pode ter seus efeitos mantidos, mesmo cessada a atuação do agente estressor. Hans Selye descreveu a Síndrome Geral da Adaptação (SGA) ao estresse, na qual considerava que os indivíduos estressados passam por três fases distintas durante a resposta ao estresse:


1- Fase de alarme:


É quando o corpo registra a ameaça do agente estressor. Ocorre ativação do sistema nervoso simpático adrenérgico para a reação de “luta ou fuga”, com liberação de catecolaminas na corrente sanguínea.


2- Fase de resistência:


Na qual o corpo mobiliza forças defensivas para combater o agente estressor. Reflete inicialmente uma adaptação total ao estressor. O eixo HPA é ativado sequencialmente ao sistema simpático. Ocorre liberação de glicocorticoides da corrente sanguínea.


3- Fase de exaustão:


Na permanência do agente estressor (estresse grave e crônico), ocorre descompensação e falência dos mecanismos de adaptação (fase 2), levando a prejuízos na saúde do indivíduo.


 


Figura 1 - Imunomodulação trimodal pelo estresse. Os efeitos imunológicos podem ser dependentes tanto da cronicidade como do caráter da resposta ao estresse. Enquanto o estresse agudo parece promover uma imunoestimulação, o estresse crônico através dos glicocorticoides causam imunodepressão. Adicionalmente, quando ocorre um bloqueio do eixo HPA, por exaustão da resposta ao estresse, ocorre o desenvolvimento de doenças autoimunes e inflamatórias


A resposta aguda de estresse é bem orquestrada pelo sistema nervoso simpático e é crítica para a sobrevivência do ser humano. Mas, quando não é interrompida, nosso sistema passa a ser ameaçado pela permanência dessa resposta, ocorrendo, então, a supressão do nosso sistema imunológico. Isto ocorre devido à ativação de outro circuito de estresse cerebral, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), não tão imediato quanto o sistema simpático, mas de grande influência no efeito do estresse crônico do organismo. O hipotálamo é a área do sistema nervoso central (SNC) que integra o sistema autônomo e o endócrino na função da manutenção da homeostase (manutenção de condições ideais ou constantes no organismo). Os hormônios glicocorticoides liberados pelo córtex adrenal durante o estresse crônico causam mudanças fisiológicas que preparam o corpo para a adaptação ao estresse (fase 2). Se o estresse for mantido, ocorre hipertrofia das glândulas adrenais e atrofia de neurônios do hipocampo. A excitotoxicidade corresponde ao processo de morte cerebral que ocorre em neurônios da região CA3 do hipocampo, devido à exposição prolongada aos hormônios do estresse (glicocorticoides), afetando diretamente a memória e a capacidade de concentração.


 A sensibilidade ao estresse varia ao longo da vida e fatores como envolvimento parental, envelhecimento e diferenças sexuais podem afetar a resposta do indivíduo ao estresse.


O desencadeamento de morbidade psiquiátrica pode ser o resultado de uma exposição aguda ou crônica a agentes estressores, sem uma adaptação individual adequada. Como resultado dessa relação, observa-se que o estresse, bem como a depressão do humor, afeta diretamente a imunidade, gerando ambos imunossupressão.


 



Figura 2 - Efeitos do estresse na imunidade e inflamação.


A informação da presença do agente estressor é processada no hipotálamo, resultando na liberação de CRH (hormônio liberador de corticotrofina), de ACTH (hormônio adrenocorticotrofico), de NE (norepinefrina) e eventualmente de cortisol.


O cortisol intervém na diferenciação das células T helper (Th0) em direção à resposta imune humoral (Th2), em detrimento da resposta celular (Th1). Células de langerhans, apresentadoras de antígenos, secretam citocinas que agem na diferenciação em Th1. Na presença de lipopolissacarídeos provenientes de bactérias, os receptores toll like induzem a produção de interleucinas (IL1, IL6) que cruzam a barreira hematoencefálica, desencadeando a resposta do eixo HPA. Efeitos do Th1 são mediados pela IL12, IL18, IL2 e IFN alfa, ativando células T e macrófagos. A resposta Th2 é mediada pela IL4, IL6, IL13, além de linfócitos B, eosinófilos e mastócitos.


CLASSIFICAÇÃO DAS PSICODERMATOSES


Doenças Psicocutâneas - classificação segundo John Koo - 1999


I - Condições psicofisiológicas ou primariamente dermatológicas exacerbadas pelo estresse:


Doenças cutâneas genuínas nas quais os fatores emocionais são tidos como importantes variáveis, tanto no desencadeamento, agravamento, melhora e recidiva. ex: psoríase, eczema, urticária, dermatite atópica, acne vulgar, desidrose, dermatite seborreica, líquen plano, rosácea, herpes simples, alopecia areata e vitiligo.


II - Condições psiquiátricas primárias:


Casos em que na realidade não há qualquer condição cutânea. Tudo o que é visto na pele é autoinduzido. A condição primária patológica está no psiquismo. 


  • Autoinduzidas
  • neurodermite circunscrita
  • acne escoriada
  • escoriação neurótica
  • dermatite factícia 
  • Dermatofobias
  • delírio de parasitose ou ácarofobia
  • bromidrofobia
  • dismorfofobia
  • onicofagia 
  • Dermatocompulsões
  • cutisfagia
  • queilofagia
  • tricotilomania

III - Condições psiquiátricas secundárias: São decorrentes de qualquer dermatose, principalmente as incapacitantes, crônicas e desfigurantes, que afetam sempre as áreas emocional, social e ocupacional, em graus variados. Participam da gênese de quadros de ansiedade, depressão, com altas taxas de ideação suicida e fobia social pelo estigma da doença cutânea. O impacto emocional depende da idade do paciente em que há o aparecimento do quadro e da autoestima do indivíduo.


Por ex: vitiligo, psoríase, acne, rosácea, alopecias, hirsutismo, hiperidose, melasma, estrias, celulite, hanseníase, nevos congênitos gigantes etc.


IV - Condições de sensopercepção: O paciente tem apenas sensações anormais na pele, sem qualquer lesão primária e sem qualquer diagnóstico sistêmico. Pode coexistir ansiedade e depressão, e cursam com sintomas de: queimação intolerável, prurido intenso, ferroadas, picadas, outras sensações desagradáveis. São exemplos: glossodinia ou língua dolorosa, vulvodinia, síndrome dos pés queimando.


É muito comum, após situações traumáticas, o paciente desenvolver o transtorno de estresse pós traumático (TEPT). Este transtorno apresenta uma variedade de sintomas com sequelas de traumas. O TEPT talvez dependa mais dos fatores subjetivos do indivíduo do que da severidade do estressor, da vulnerabilidade genética constitucional, durante épocas da vida ou falta de um sistema de apoio adequado.


Uma variedade de sintomas dermatológicos está presente: sensações de dor, queimação, prurido, picadas, re-experienciadas como “memórias corporais” ou “memórias emocionais”, sem a associação consciente do evento traumático.


As experiências traumáticas ficam armazenadas inconscientemente e se expressam com sintomas somáticos.  O processo dissociativo é significativo nos sintomas cutâneos, pois a pele é um órgão de comunicação e afeto, sendo especialmente vulnerável às somatizações (o paciente atribui seu sintoma a um problema físico, apesar de ser de ordem psíquica). Esses indivíduos podem sofrer prejuízo em desempenhar funções de autocuidado e autotranquilização, além de repetição de dano por meio de automutilação, tricotilomania, dermatite artefata e escoriações. São exemplos de autoagressões e somatizações.


Podemos assim, concluir que nesse momento de incertezas globais, a pele, como dito acima, expressa as emoções e, com muita frequência, os dermatologistas tem sido procurados pelos pacientes com quadros cutâneos desde alopecia, piora das lesões como vitiligo, psoríase até lesões de automutilações.


Devemos, portanto, entender essa relação para podermos atender ao sofrimento no contexto biopsicossocial.


REFERÊNCIAS


1 - Muller.M; Hoffman,F; Zogbi.H; Fleck.P; A integração mente e corpo e psicodermatologia. Psicologia: teórica e prática. www.scielo.bvs-psi.org.br abril 2007


2 - Bechelli,L; Curban,G. Compêndio de Dermatologia. São Paulo: Atheneu,1988.


3 - Rakel.D; Weil.A. Rakel: Integrative medicine, 1st ed.Part I- Phylosophy of integrative medicine. chapter 1. Elsevier-2003


4 - Azambuja.R; Dermatologia integrativa: a pele em novo contexto. Anais Brasil Dermatol v.75,n.4.p.393-420,2000


5 - Boulais.N; Misery.L; The epidermis: a sensory tissue, Eur J Dermatol 2008; 18 (2): 119-127


6 - Gould.W. Teaching psychocutaneous Medicine. Arch Dermatol. Vol1.40:282-284 mar. 2004


7 - Poot.F; Sampogna.F; Onnis.L; Basic Knowledge in psychodermatology, JEADV 2007, 21, 227-234. 2006 European Academy of Dermatology and Venereology.


8 - Gupta. M; Gupta. A; Ellis,C; Koblenzer. C; Psychiatric Evaluation of the Dermatology patient. Dermatol Clinics vol23, n4, Oct.2005


9 - Poot F.Doctor-patient relations in dermatology:obligations and rights for a mutual satisfaction.JEAD 2009,23,1233-1239


10 - Misery L.The role of dermatologist in adherence to treatment;Ann Dermatol Venerealol;139 suppl 1:S 18-21,2012 Jan


11 - Hajjaj FM;SalekMS;BasraMK;Finlay AY.Clinical decision making in dermatology:observation of consultation and the patient`s perspectives.Dermatology;221(4):331-41,2010


12 - Harth W,GielerU,Kusnir D,Tausk FA.Clinical Manegement in Psychodermatology.Springer,2010 pg 196-203


13 - Brentjens,M; Yeung-Yue,K; Lee,P; Tyring,S. Recurrent Genital Herpes treatments and their impact on quality of life.Pharmacoeconomics 2003; 21 (12):853-863


14 - Basra M.K.A.,Sue-Ho.,FinlayA.Y. Family Dermatology Life Quality Index.Br.J.Dermatol.2007;156:528-38


15  - Beattie P.E.,Lewis-Jones, M.S. Infant´s Dermatitis Quality of Life Index & Dermatitis Family Impact Scores.Br.J.Dermatol.2006;155:1249-55


16 - Cortez,C; Silva,D. O estresse e suas implicações psiquiátricas. Arq Brás Neurol Med Legal; vol97,n3; jul/ago/set.2003


17 - Koo,J; Lee,C. Psychocutaneous Medicine.ed. Marcel Dekker.2003


18 - Jessica M.F. Hall,desAnges Cruser,Alan Podawiltz, Diana I. Mummert,harlan Jones,and Mark E.Mummert.Psychological stress and the Cutaneous Immune Response:Roles of the HPA Axis and the sympathetic nervous system in Atopic Dermatitis and Psoriasis.Dermatology research and practice volume 2012, article ID 403908,11 pages


19 - Lambert, K; Kinsley,C; Neurociência clínica: as bases neurofisiológicas da saúde mental.cap.11;324-352. Porto alegre. Artmed,2006


20 - Tausk,F; Elenkov,I; Moynihan,J. Psuchoneuroimmunology. Dermatologic therapy. Vol21,2008,22-31


21 - Hong J, Koo B, Koo J. The psychosocial and occupational impact of chronic skin disease. Dermatol Ther, 2008. Jan-Feb;21(1):54:59


22 - Tey HL,Wallengren J,Yosipovitch G.Psychosomatic factors in pruritus.Clin Dermatol.2013 Jan-Feb;31(1):31-40.


23  - Yoshinaga, I; Senra,M; Azambuja, R. Manual de Conduta da Sociedade Brasileira de Dermatologia- 2004. Uso de psicofármacos em Dermatologia- pag. 183


24 -  Kirtak N, Inaloz HS, Akçali C, Erdal E, Herken H, Yildirim M, Erguven G  Association of serotonin transporter gene-linked polymorphic region and variable number of tandem repeat polymorphism of the serotonin transporter gene in lichen simplex chronicuspatients with psychiatric status. Int J Dermatol,   47, 1069–1072, 2008.


25 - John Koo,Charles Gambla,Richard Fried. Pseudopsychodermatologic Disease.Dermatologic Clinics. Volume14-number 3-July 1996



26 - Ramos e Silva, M; Castro,MC. Fundamentos da Dermatologia.v2,c.106 Rio de Janeiro,2008


27 - Gupta.A.M ,Gupta K.A,Ellis N.C.,Koblenzer S.C.; Psychiatric Evaluation of the Dermatology Patient: Dermatologic Clinics-vol23,Issue 4 october 2005


28 - Gupta, M. Psychodermatology published. www.searchmedica.com jan 2006.


29 - Nogueira, M; Jesus.A; Gomes, K; Cassavia, M; Gomes,M; Nogueira, R. Diagnóstico psiquiátrico – um guia. São Paulo. Ed.Lemos. 2002


30 - Classificação de Transtornos mentais e de comportamento da CID 10 . Artmed, Porto Alegre/1993


31 - Larsen, C. Pos traumatic stress disorder- this month in behavioral science- Sushi Tuesday. www.sushituesday.com


32 - Ulnik Jorge.Skin in Psychoanalysis,Karnac,2007


33 - Mohammad Jafferany.Psychodermatology:when the mind and skin interact.Psychiatric Times Dec.8,2011


34 - Gupta, M. Somatization disorders in Dermatology. Int Rev of Psychiatry, Feb 2006; 18(1):41-47


35 - Willemsen R, Roseeuw D,Vanderlinden J.Alexithymia and dermatology: the state of the art. Int J of Dermatol 2008,47,903-910


36 - Koo J, Lee CS. Delusions of parasitosis: a dermatologist’s guide to diagnosis and treatment. In J Clin Dermatol 2001:2:285-290


37 - May W W, Terpenning MS. Delusional parasitosis in geriatric patients. Psychosomatics 1991: 32:88-94


38  - Lyell A. Delusions of parasitosis, Semin Dermatol 1983; 2: 189-195


39 - Munro A. Delusional parasitosis: a form of monosympatomatic hypocondriacol psychosis. Semin Dermatol 1983: 2: 197-202


40 - Johnson G C, Anton R F. Delusions of parasitosis: differential diagnosis and treatment. South Med J 1985: 78: 914-918


41 - Krasowska D.,Szymanek M., Schwartz A.,Wojciech M. Cutaneous effects of the most commonly used antidepressant medication, the selective serotonin reuptake inhibitors.J.Am.Acad.dermatol.,2007,56,848-853


42 - Bernard, R; Borba, A. Vencendo o pânico.Editora Cognitiva Ltda


43 - Psiquiatria Psicodinâmica – Glen O. Gabbard . Artmed, Porto Alegre, 1998.


44 - Review article .Lifestyle drugs and somatoform disorders in dermatology.JEADV 2008,22,141-149)


45  - Phillips K A, Albertini R S,Rassmussen S A .A randomized placebo-controlled trial of fluoxetine in body dysmorphic disorder. Arch Gen Psychiatry 2002;59:381-388.


46  - Hollander E,Allen A,Kwon J et al.Clomipramine vs desipramine crossover trial in body dysmorphic disorder: selective efficacy of a serotonin reuptake inhibitor in imagined ugliness. Arch Gen Psychiatriy 1999;56:1033-1039


47 - Mckay D. Two-year follow-up of behavioral treatment and maintenance for body dysmorfic disorder.Behav Modif 1999;23:620-629.


48 - Glogau RG. Systemic evaluation of the aging face. In: Bolognia JL, Jorizzo JL, Rapini RP, editors.  Dermatology. Edinburgh: Mosby; 2003. p. 2357–60


49 -  Phillips TJ, Demircay Z, Sahu M. Hormonal effects on skin aging Clin  Geriatr Med. 2001;17:661–72.


50 - Sadock BJ, Sadock VA. Suicide, violence and other pstchiatry emergencies. In: Kaplan & Sadocks Pocket handbook of Clinical Psychiatry. 3 rd ed. Philadelphia: Lippincoot Williams & Wilkins; 261-274, 2001.


51 - Gupta MA, Schork NJ. The aging face : a psychocutaneous perpectives. J Dermatol Surg Oncol. 1990, oct; 16 (10): 902-4.


52 - Gupta MA, Schork NJ. Aging-related concerns and body image: possible future implications for eating disorders. Int J Eating Disord 1993; 14: 481-486.


53 -  Yoshinaga IG, Senra M.  Uso de Psicofármacos em Dermatologia. In: Manual de Condutas da Sociedade Brasileira de Dermatologia. 2004.


54 - YoshinagaIG, Rossetti NM, Ciclos do Ser: Vol I Senescência, Núcleo PED, SBPA, 2008, in press


55 -  Balint M, O Médico, seu paciente e a doença; 2ª ed.; Editora Ateneu, São Paulo 2007


Compartilhe: