Sacubitril/valsartana em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida: marco inicial e indicações

Sacubitril/valsartana em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida: marco inicial e indicações

Sacubitril/valsartana é um complexo de sal de sódio do pró-fármaco sacubitril, que inibe a enzima neprilisina, e da valsartana, um bloqueador do receptor AT1 da angiotensina (BRA).1,2 A neprilisina é responsável pela degradação de peptídeos endógenos vasodilatadores, como os peptídeos natriuréticos, os quais apresentam ações de natriurese, vasodilatação, com efeitos contrarreguladores na fisiopatologia da insuficiência cardíaca (IC). A valsartana atua inibindo o sistema renina-angiotensina-aldosterona, o qual também faz parte da fisiopatologia da IC.3 Além disso, a angiotensina II é um substrato para a neprilisina, sendo oportuna a associação do inibidor da neprilisina com um inibidor da angiotensina II.

 

Em virtude da sua superioridade em relação ao enalapril para redução de sintomas, da taxa de internação e da mortalidade cardiovascular pelo estudo PARADIGM-HF4, seu uso foi aprovado para pacientes com IC.5  Este estudo foi aleatório, duplo-cego, com inclusão de 4.187 pacientes para uso do sacubitril/valsartana e 4.212 para uso do enalapril. Todos os pacientes, com pelo menos 18 anos de idade, apresentavam IC em classe funcional II-IV da NYHA (New York Heart Association), com fração de ejeção (FE) ≤ 40% (alterada para ≤ 35% dentro de um ano do estudo), em terapia médica orientada por diretrizes e com peptídeo natriurético do tipo B (BNP) ≥ 150 pg/dL ou NT-proBNP ≥ 600 pg/dL, ou com história de internação nos últimos 12 meses. Houve interrupção precoce do estudo, em 27 meses, devido aos resultados intermediários demonstrarem uma redução de cerca de 20% da internação e da mortalidade cardiovascular.4

 

Portanto, pacientes com IC em classe funcional de dispneia II e III da NYHA, em uso de inibidor da enzima da angiotensina (IECA) ou BRA e com FE ≤ 40%, podem ser beneficiados com o uso de sacubitril/valsartana, com impacto favorável na morbimortalidade, com Classe I de recomendação, na dose inicial de 24/26 mg a cada 12 h ou 49/51 mg a cada 12 h (dose alvo de 97/103 mg a cada 12 h em 3 a 6 semanas de titulação).

 

Esta associação deve ser iniciada após 36 h da suspensão do IECA ou BRA em pacientes sem contraindicação a esses últimos medicamentos, como angioedema, gravidez, amamentação, insuficiência hepática grave, uso concomitante de alisquireno em diabéticos. Em casos de doença renal, com ritmo de filtração glomerular inferior a 30 mL/min/1,73 m2, a dose inicial é a menor, com cuidadosa titulação conforme tolerância.5

 

No Brasil, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (SUS) aprovou seu uso em agosto de 2019 para o tratamento de IC crônica em pacientes adultos com classe funcional NYHA II-IV e BNP > 150 (ou NT-proBNP > 600), FE ≤ 35%, idade ≤ 75 anos e refratários ao melhor tratamento disponível.6

 

Apesar destes critérios, deve ser levado em consideração que NT-proBNP não é um substrato para a neprilisina, diferente do BNP. Por isso, com o uso de sacubitril/valsartana, as concentrações de BNP aumentam e tendem a não retornar ao valor de base, enquanto que as concentrações de NT-proBNP geralmente diminuem.5

 

A incorporação no uso do medicamento no SUS foi baseada em evidências científicas, avaliação econômica, prescrição inicial por cardiologista e consulta pública.6 Todavia, há resultados de transição segura no uso de IECA/BRA para sacubitril/valsartana na atenção primária em país desenvolvido7, o que pode ampliar seu uso, com impacto positivo na atenção terciária.

 

 

Referências

 

  1. Ayalasomayajula S, Langenickel T, Pal P, Boggarapu S, Sunkara G. Clinical Pharmacokinetics of Sacubitril/Valsartan (LCZ696): A Novel Angiotensin Receptor-Neprilysin Inhibitor. Clin Pharmacokinet. 2018; 57(1):105-123.
  2. Marques da Silva P, Aguiar C. Sacubitril/valsartan: An important piece in the therapeutic puzzle of heart failure. Rev Port Cardiol. 2017; 36(9):655-668.
  3. https://www.academiademedicina.com.br/genmedicina/insuficiencia-cardiaca-definicao-epidemiologia-fisiopatologia-e-classificacao/
  4. McMurray JJ, Packer M, Desai AS, Gong J, Lefkowitz MP, Rizkala AR, Rouleau JL, Shi VC, Solomon SD, Swedberg K, Zile MR; PARADIGM-HF Investigators and Committees. Angiotensin-neprilysin inhibition versus enalapril in heart failure. N Engl J Med. 2014; 371(11):993-1004.
  5. Yancy CW, Januzzi JL Jr, Allen LA, Butler J, Davis LL, Fonarow GC, Ibrahim NE, Jessup M, Lindenfeld J, Maddox TM, Masoudi FA, Motiwala SR, Patterson JH, Walsh MN, Wasserman A. 2017 ACC Expert Consensus Decision Pathway for Optimization of Heart Failure Treatment: Answers to 10 Pivotal Issues About Heart Failure With Reduced Ejection Fraction: A Report of the American College of Cardiology Task Force on Expert Consensus Decision Pathways. J Am Coll Cardiol. 2018; 71(2):201-230.
  6. Coordenação de Avaliação e Monitoramento de Tecnologias – Ministério da Saúde, 2019, disponível em http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2019/Relatorio_Sacubitril_Valsartana_ICC_FINAL_454_2019.pdf
  7. Dieterle T, Schaefer S, Meyer I, Ackermann G, Ahmed K, Hullin R Introduction of sacubitril/valsartan in primary care follow-up of heart failure: a prospective observational study (THESEUS). ESC Heart Fail. 2020 [Epub ahead of print].

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