Saúde e Liberdade

Saúde e Liberdade

A vida e a saúde das pessoas têm um relevante significado na manutenção da ordem pública e na segurança do Estado e devem estar inseridas como questão prioritária em todo projeto social. Por isso, a saúde passa a ter um sentido político.


O conceito de assistência à saúde, entendido, ainda por alguns, como sinônimo de prática médica curativa ou preventiva, ou como simples organização dos serviços pres­tados em atendimento, não pode mais ser aceito. Mas, sim, concebido como um conjunto de políticas sociais complementares que não passa exclusivamente pela prática assistencial. O con­ceito moderno de saúde transcende uma dimensão política, fruto de uma composição dos níveis e das condições de vida que vai além da organização sanitária. Resumindo: são as condições objetivas de existência, de que necessita a população, ou a forma concreta de vida social, excluída da prática medicalizadora da saúde. É muito mais uma questão de forma de vida.


Por isso, a conquista e a preservação da saúde impõem políticas a favor da vida social e não há como o Estado deixar de ser responsável por este bem da população. A caridade facultativa em benefício dos pobres, além de humilhante, é um ato aleatório que não alcança os interesses da coletividade devidos por quem representa juridicamente a sociedade política e compõe um Estado democrático.


Este modelo não deixou de comprometer a área da saúde e da assistência médica, alterando em pouco tempo os padrões da política de saúde e da organização dos serviços. Para reverter todo esse quadro, faz-se necessário uma ampla reformulação das relações políticas ao nível do Estado e da sociedade, fomentando a descentralização do poder e reabilitando o indivíduo em sua cidadania e personalidade.


Espera-se que, num passo a passo, a humanidade vá construindo um ideário, no qual fique evi­dente a importância da valorização da pessoa e o reconhecimento irrecusável dos direitos humanos. Não adianta todo esse encantamento com o progresso da técnica e da ciência se não for em prol do homem. Caso o contrário, esse progresso será de baixa relevância.


A saúde e as liberdades individuais representam, num Estado democrático de direito, os bens mais fundamentais. A saúde, como um bem irrevogável e indispensável que cabe ao Estado sua garantia e os meios de organização. E a liberdade, como um ganho consa­grador da cidadania e da luta dos povos.


Tão íntima é a relação entre a saúde e a liberdade, que não se pode admitir qual­quer proposta em favor da melhoria das condições de vida e de saúde das pessoas sem se respeitar a autonomia delas, mesmo quando não estão dispostas a se submeterem a certas condutas que venham considerar como de riscos, a exemplo das práticas invasivas da nova tecnologia médica. Assim, não seria exagero admitir que ela tanto pode ser uma forma de proposta vantajosa como uma ameaça à liberdade individual.


Por isso, o certo é encontrar um caminho, no qual se procure minimizar o sofrimento e o dano por meios assistenciais à saúde, sem risco aos limites da liberdade individual, capaz de ameaçar nosso sentido crítico por meio de um paternalismo secular de proteção. Não há como existir ainda a chamada “superioridade de juízo”. Muitos são os países que vivem hoje protegidos das epidemias e das catástrofes das doenças curáveis e evitáveis em face da organização dos serviços de saúde e dos níveis de vida da população. Inúmeras são as comunidades que hoje estão livres da morte prematura e das patologias incapacitantes. A luta em favor da saúde e do bem-estar é uma obrigação moral a ser imposta ao Poder Público.


Deve-se isto à uma política que prioriza a saúde como uma preocupação de caráter público e de interesse social, respaldada por recursos substanciais capazes de garantir todo este projeto. É neste instante que a sociedade, livre e organizada, pode e deve con­tribuir. Ou seja, não é apenas com a garantia da autonomia e da exigência do direito ao consentimento livre e esclarecido, pois este documento por si próprio não é suficiente para assegurar uma relação mais respeitosa, nem basta para isentar possíveis culpas. Com isso pode-se criar uma “medicina contratual” de bases falsas.


Assim, não se podem esquecer os direitos dos médicos. O primeiro deles provém das leis que lhe outorgam exercer a profissão com liberdade, desde que devidamente habilitados legal e profissionalmente pelos órgãos competentes. Outros direitos estão assegurados no Código de Ética Médica dos Conselhos de Medicina do Brasil, constantes em seu Capítulo II, intitulado “Direitos dos Médicos”. Estes direitos lhe são conferidos sem nenhuma predisposição corporativista, mas dentro de um projeto de condições necessárias para que ele possa exercer a medicina, na legalidade e na licitude que se fazem imprescindíveis em suas atividades profissionais.


Daí a liberdade para médico indicar o procedimento que considerar mais adequado dentro das normas reconhecidas e aceitas pela comunidade científica: a liberdade para apontar falhas nos regulamentos e normas das instituições em que trabalhe; a liberdade de se recusar a exercer sua profissão em instituições públicas ou privadas que não disponham das condições mínimas de trabalho e que possam trazer danos aos pacientes; a liberdade de internar seu paciente em hospitais ao qual não pertença o seu corpo clínico; e o direito de realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.

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