Sífilis Congênita | Uma Tragédia Brasileira

Sífilis Congênita | Uma Tragédia Brasileira

A palavra “sífilis” é derivada de Syphilus, protagonista do poema Syphilis Sive Morbus Gallicus, de Girolamo Fracastoro. A descrição mais antiga já registrada da sífilis data do ano de 600 a.C. na cidade grega de Metaponto. Considerada doença sexualmente transmissível e provocada por infecção pelo Treponema pallidum, essa enfermidade constitui um capítulo fascinante da história da medicina quando observadas as várias etapas relativas aos seus diagnóstico e tratamento.


Nos dias atuais, existem ações efetivas para sua prevenção por meio de medidas educativas para práticas sexuais seguras (preservativos), testes em hemoderivados e rastreamento pré-natal. Entretanto, dados oficiais brasileiros registram uma elevação dos casos de sífilis em adultos e uma expansão intolerável de casos de sífilis congênita. Entre todas as formas, essa última tem aspecto devastador em vista de seu acometimento precoce e pela instalação de lesões orgânicas definitivas desde as fases primordiais do desenvolvimento humano.


Segundo informações publicadas no portal EBC,[1] entre 2005 e meados de 2014, mais de 100 mil casos de sífilis foram registrados entre gestantes no Brasil. Dados relacionados especificamente à sífilis congênita revelam que, entre 1998 e junho de 2014, mais de 104 mil crianças menores de um ano foram infectadas pela doença. Em 2013, foram notificados 13.704 casos, com uma taxa de incidência de 4,7 para cada mil nascidos vivos (NV). A projeção para 2016 é de que as notificações de sífilis em gestantes cheguem a quase 42 mil casos no país, enquanto as infecções congênitas devem superar 22 mil casos.


Segundo o boletim técnico Sífilis 2015,[2] os casos de sífilis congênita vêm aumentando de forma constante desde o ano de 2010, sendo que, no ano de 2013, enquanto a taxa de registro de sífilis em gestantes foi de 7,4 por mil NV, a taxa de sífilis congênita foi de 4,7 por mil NV, sugerindo a efetividade limitada das intervenções. Deve ainda ser destacado que, em algumas capitais brasileiras, a taxa de sífilis congênita foi maior que a detecção entre as gestantes, indicando o quanto são limitadas as ações preventivas para o problema. Considerando a gravidade da situação, o governo brasileiro lançou, em outubro de 2016, uma ação para reduzir o impacto da sífilis em nosso país.[3]


O rastreamento da sífilis no pré-natal é imprescindível, utilizando testes rápidos. Casos positivos serão confirmados por testes convencionais, como VDRL (Venereal Disease Research Laboratory) e TPHA (Treponema pallidum haemagglutination). A primeira avaliação deve ser feita o mais precocemente possível, na primeira consulta, e repetida com 28 semanas e no parto. Para os casos positivos, o tratamento ideal deve ser instituído antes da 20ª semana de gestação.


Não é comum o diagnóstico clinico da sífilis na gestação, mas sim um diagnóstico a partir de testes sorológicos. A sífilis latente recente (com menos de um ano de duração) se caracteriza por títulos altos de VDRL (acima de 1/8), enquanto a latente tardia (mais de um ano de duração) apresenta títulos baixos de VDRL. Em ambas as situações, os testes treponêmicos serão positivos.


O tratamento de escolha será com penicilina benzatina e as doses serão adequadas a cada situação. Assim sendo, para a forma latente recente, duas doses de 2,4 milhões de penicilina benzatina com intervalo de uma semana. Para a sífilis tardia, três doses de 2,4 milhões, totalizando 7,2 milhões de UI. Note que a penicilina benzatina é a única alternativa considerada eficaz para a prevenção da infecção congênita.


Além do uso da penicilina, algumas ações adicionais são consideradas fundamentais para o tratamento adequado da sífilis: rastreamento do parceiro e seu tratamento adequado, caso necessário; tratamento da gestante finalizado até 30 dias antes do parto, e redução dos seus títulos de VDRL, documentados por avaliações mensais.


Na impossibilidade do uso de penicilina benzatina, a gestante poderá ser tratada com ceftriaxona 1 g, IV ou IM, 1 vez/dia, por 8 a 10 dias. No entanto, para fins de definição de caso e abordagem terapêutica da sífilis congênita, considera-se que esse esquema seja um tratamento inadequado da mãe, exigindo a aplicação de protocolo de avaliação e tratamento do neonato para essa situação.


Um aspecto muito preocupante e que pode explicar o aumento de casos de sífilis congênita no Brasil é que, desde 2014, o Ministério da Saúde busca uma solução para o desabastecimento de penicilina nos serviços de saúde. Diante desse cenário, é fundamental haver campanhas de sensibilização para um problema que pode ser evitado com medidas de baixo custo e grande impacto na saúde da população.


Todo profissional da área da saúde deve ter em mente a importância do problema e saber manejar as situações de forma eficiente. Para tanto, existe uma ampla oferta de informações técnicas de fácil acesso disponíveis na Internet. Sugerimos o Guia de Bolso para o manejo da sífilis em gestantes e sífilis congênita,[4] produzido no ano de 2016 pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.


Referências bibliográficas


  1. http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-03/sifilis-avanca-no-pais-e-deve-superar-42-mil-casos-entre-gestantes-este-ano (Acessado em 14/11/2016)
  1. http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/26100-ministerio-da-saude-lanca-acao-nacional-de-combate-a-sifilis (Acessado em 14/11/2016).
  2. Ministério da Saúde. Boletim epidemiológico Sífilis 2015. Ano IV, número 1.
  3. Secretaria de Estado da Saúde. Centro de Controle de Doenças. Programa Estadual DST/AIDS. Guia de bolso para o manejo da sífilis em gestantes e sífilis congênita. São Paulo. 2016.112p.

 


Compartilhe: