Síndrome da dor vesical
- 26 de abr de 2017
Paciente de 42 anos de idade, sobrepeso, ascendência judaica, professora universitária – procura o ambulatório devido a episódios repetidos de dor suprapúbica e uretral há mais de 2 anos. Relata também urgência urinária, dispareunia (com a dor persistindo por dias após a relação sexual) e despertar durante a noite em decorrência de dor e polaciuria.
Informa urinar mais de 8 vezes ao dia, independentemente do volume de líquido ingerido, durante os episódios de dor. Já fez uso de vários antibióticos (sulfametoxazol-trimetropina, norfloxacina, dentre outros) e antiespasmódicos sem que tenha percebido melhora do quadro. Nega hematúria e/ou alterações do ritmo intestinal.
História patológica pregressa: apendicectomia aos 30 anos de idade. Alergia respiratória (mofo, perfume). Relato de enxaqueca desde os 18 anos de idade. Nunca engravidou, embora mantenha vida sexual ativa. Endometriose (em uso de dienogeste). Nunca foi submetida à radioterapia.
História social: etilista social, nega tabagismo, vegetariana.
História familiar: pai hipertenso e obeso, falecido após AVC há 3 anos. Mãe diabética e obesa.
Ao exame físico: paciente com fácies angustiada, olhos encovados. T. axilar: 36,7oC; FC: 88 bpm, RCR 2T, sem sopros; PA: 130 × 90 mmHg (sentada); pulmões limpos, sem ruídos adventícios. Abdome flácido, discretamente doloroso à palpação do hipogástrio. Sem sinais de irritação peritoneal. MMII: varizes de pequeno e médio calibres sem alteração da coloração da pele. Pés sem micoses e/ou alterações tróficas.
Solicitei exame de urina (sedimento urinário, cultura e antibiograma) e hemograma completo. Recomendada avaliação de ginecologista porque a última consulta ocorrera há mais de 1 ano.
Prescrevi ácido mefenâmico na dose de 500 mg, VO, 3 vezes ao dia.
Diagnóstico diferencial: infecção de urinária mal tratada, vaginite, disfunção urinária, cistite a esclarecer.
O exame ginecológico nada revelou de anormal. Esfregaço de Papanicolaou dentro dos limites da normalidade. Na ultrassonografia transvaginal não havia alterações dignas de nota desde o último exame.
O hemograma e o exame de urina também estavam dentro dos limites da normalidade.
Pensando em cistite crônica, solicitei o parecer da Urologia quanto à indicação de cistoscopia. O urologista concordou comigo e realizou a cistoscopia sob anestesia com hidrodistensão da bexiga e coleta de amostras para exame citológico. Foram observadas granulações em três quadrantes da bexiga. Não foram encontradas úlceras de Hunner. A biopsia revelou infiltrados inflamatórios, tecido de granulação e fibrose intrafascicular.
O diagnóstico foi síndrome da dor vesical (SDV)/cistite intersticial.
A SDV é um diagnóstico clínico que reflete hipersensibilidade da bexiga, na qual um pequeno volume de urina provoca sensação de dor ou pressão, o que resulta em aumento da frequência urinária, urgência e nocturia. É crucial descartar outras doenças que provocam sinais/sintomas semelhantes.
É comum que os pacientes já tenham feito uso de antibióticos e outros medicamentos. A qualidade de vida é comprometida. A etiologia e a fisiopatologia ainda não foram elucidadas. Trata-se de um diagnóstico de exclusão.