Síndrome do ovário policístico

Síndrome do ovário policístico

Considerada uma desordem endócrina heterogênea comum, a síndrome do ovário policístico (SOP) afeta aproximadamente 6 a 10% das mulheres em idade reprodutiva. Caracteriza-se por oligo-ovulação e/ou anovulação, hiperandrogenismo e ovários policísticos.1-4


Foi relatada pela primeira vez na literatura médica moderna por Stein e Leventhal em 1935. Em 1990, o National Institutes of Health (NIH) definiu a doença como disfunção ovulatória com hiperandrogenismo clínico, sem considerar avaliação ultrassonográfica dos ovários.


Em 2003, na cidade de Rotterdam (Holanda), em uma reunião de consenso entre a European Society of Human Reproduction and Embryology e a American Society for Reproductive Medicine (ESHRE/ASRM), redefiniu-se o conceito da enfermidade para compor um espectro mais amplo. As mulheres afetadas devem apresentar pelo menos dois dos seguintes critérios: oligo-ovulação e/ou anovulação, hiperandrogenismo (clínico e/ou bioquímico) e identificação de ovários policísticos ao exame ultrassonográfico, desde que excluídas outras desordens como hiperprolactinemia, hiperplasia suprarrenal congênita e tumores secretores de andrógeno.


Em 2006, The Androgen Excess and PCOS Society (AE-PCOS) apresentou uma descrição mais contemporânea da SOP, embora semelhante aos critérios de Rotterdan. A declaração final destacou como características fundamentais hiperandrogenismo (clínico ou bioquímico) combinado com disfunção do ovário (incluindo anormalidades funcionais e ultrassonográficas).5-7


Ainda que o nome da patologia se refira ao ovário, esta síndrome também está associada a disfunções metabólicas: resistência periférica à insulina (RI) e hiperinsulinemia. As preocupações metabólicas incluem obesidade, diabetes melito tipo II, dislipidemia, hipertensão e doenças cardiovasculares. O nome da síndrome advém do aparecimento dos ovários policísticos, resultante da foliculogênese interrompida e disfunção ovulatória. Portanto, a patologia afeta os controles endócrino e metabólico, bem como a saúde cardiovascular da mulher.2,3


As manifestações clínicas são oligomenorreia ou amenorreia, hirsutismo e infertilidade. A SOP é responsável por pelo menos 75% dos casos de infertilidade anovulatória (quando não há ovulação adequada), por isso as mulheres jovens podem apresentar intervalos longos entre os ciclos, chegando a ficar meses sem menstruar.


A alteração menstrual geralmente ocorre desde a menarca (primeira menstruação) e pode estar associada ao aumento de pelos no corpo e excesso de peso (sobrepeso ou obesidade). A RI afeta 50 a 70% das mulheres com a doença, o que resulta em comorbidades, inclusive síndrome metabólica, hipertensão, dislipidemia, intolerância à glicose e diabetes.3,8,9


Referente aos fatores ambientais, o estilo de vida se sobressai, visto que a obesidade é tanto um desencadeador quanto um complicador da SOP. Cerca de 50% das mulheres diagnosticadas com a enfermidade são obesas. Associado a achados clínicos, o diagnóstico é feito por dosagens hormonais e avaliação ultrassonográfica dos ovários, que costuma apontar micropolicistos. Aproximadamente 20% das mulheres apresentam ovários policísticos na ultrassonografia (USG) e cerca de 7% têm as características clínicas e bioquímicas adicionais da SOP.8,10


O desenvolvimento de ovário policístico está relacionado com aumento da exposição a andrógenos, responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento folicular. Os ovários policísticos têm duas a seis vezes mais folículos primário, secundário e pequenos folículos antrais do que os ovários saudáveis. Estes folículos entram em desenvolvimento cedo e parecem funcionalmente normais na maioria dos aspectos. Desconhece-se o mecanismo que determina números excessivos de folículos, mas várias linhas de evidências apontam para sinalização de andrógeno anormal.


Como definido por critérios rigorosos de consenso, 90 a 100% das mulheres com SOP têm ovários policísticos, e vários estudos relataram correlação positiva entre o número de folículos e as concentrações de testosterona nelas.11


 Fisiopatologia


A fisiopatologia precisa da SOP ainda está em estudo. Parece ser multifatorial e fonte de controvérsia entre pesquisadores. Contudo, o consenso cada vez maior é de que as principais características incluem resistência à insulina e hiperinsulinemia, excesso de andrógenos decorrentes de esteroidogênese ovariana e gonadotrofinas anormais (aumento do LH e diminuição do FSH).5,7,10


A SOP é uma síndrome difícil de entender, especialmente por ter características clínicas que variam de paciente para paciente. Para definir sua fisiopatologia é preciso considerar tanto a natureza da disfunção no ovário quanto as influências externas capazes de modificar o comportamento ovariano.


A heterogeneidade da síndrome contribui para a participação dos múltiplos mecanismos fisiopatológicos. Todavia, ainda se desconhece por que esses mecanismos a desencadeiam. Anormalidades bioquímicas foram descritas, e parece que o defeito primário é a RI no tecido muscular e adiposo com hiperinsulinemia compensatória. Além disso, existe a probabilidade de que a RI esteja relacionada com disfunção intrínseca das células betapancreáticas. A síndrome pode ter também etiologia genética, decorrente principalmente do aumento da frequência da síndrome de RI em mães e irmãs de pacientes com SOP.1,5,12 Contudo, o padrão de hereditariedade continua incerto e desconhecido, assim como a participação de vários fatores ambientais, por exemplo, dieta e estilo de vida.


Outra característica importante na SOP é a alteração na dinâmica das gonadotrofinas, embora evidências apontem para os folículos ovarianos, onde ocorre a produção de esteroides sexuais. Eles constituem fonte do excesso de andrógenos, resultante aparentemente de uma regulação anormal da esteroidogênese.


No entanto a fisiopatologia da SOP está relacionada com alteração no ciclo menstrual , o que perturba o eixo hipotálamo, hipófise, ovários e desencadeia a desordem clínica e menstrual caracterizada por excesso de andrógenos e anovulação.1,5,12 Segundo Yarak et al.1, as teorias propostas para explicar a fisiopatologia da SOP podem ser classificadas em quatro categorias: hiperinsulinemia e resistência periférica à insulina; aumento da frequência de pulso e amplitude do LH; elevação da produção dos andrógenos ovarianos; e aumento da produção dos andrógenos adrenais. A Figura 1 resume as principais características da fisiopatologia da SOP.


Figura 1 Fisiopatologia da SOP



Fonte: YARAK et al., 2005.


Diagnóstico e tratamento


 O diagnóstico da SOP é clínico, principalmente quando a maioria das portadoras de SOP apresenta irregularidade menstrual e hiperandrogenismo. Existem três características-chaves no diagnóstico da SOP: hiperandrogenismo, anovulação crônica e ovários policísticos em USG.10


Outras condições importantes são conhecidas por provocar ou imitar as características da síndrome e devem, portanto, devem ser excluídas antes do diagnóstico: hiperplasia adrenal congênita, síndrome de Cushing, tumores secretores de andrógenos ou hormônios luteinizantes insuficientes para anovulação.3


Embora a SOP tenha sido reconhecida há mais de 70 anos, ainda não tem uma definição coesa e o diagnóstico provoca debate. As definições mais recentes e os critérios utilizados nas clínicas são os da NIH e os da AE-PCOS.


A maioria dos estudos relata prevalência da doença entre 6 e 15%, mas pode chegar a 20%, dependendo dos critérios utilizados. As diferentes definições também resultam em vários fenótipos com vasta gama de gravidade da síndrome.7


Em 1990, a NIH estabeleceu os seguintes critérios para SOP: anovulação crônica, bem como sinais clínicos e bioquímicos de hiperandrogenismo. Já os critérios de Rotterdam requerem dois ou mais dos seguintes sintomas: anovulação crônica, sinais clínicos ou bioquímicos de hiperandrogenismo e ovários policísticos.11


Apesar da complexa fisiopatologia da SOP e de suas manifestações clínicas e anatômicas heterogêneas, para diagnóstico e estadiamento são realizados estudos de USG transvaginal dos ovários e análise de USG com Doppler das artérias uterinas e intraovárica. Em decorrência da correlação estreita com achados laparoscópicos, o exame de USG com Doppler é provavelmente a ferramenta mais importante para diagnosticar essa síndrome.13


Como visto anteriormente, as repercursões da SOP vão além do sistema reprodutivo e incluem: diabetes melito tipo II, dislipidemia (níveis elevados de LDL, colesterol e triglicerídios), hipertensão arterial e doença cardiovascular. Por isso, é necessário o diagnóstico precoce e o tratamento adequado.12,13,14


Como a fisiopatologia subjacente da SOP ainda não é totalmente compreendida, o tratamento costuma centrar nos sintomas individuais, não na síndrome. Sendo assim, à medida que o entendimento da fisiopatologia melhora, o mesmo ocorre com o tratamento, que deve ser individualizado, mas também se concentrar em todas as consequências metabólicas para diminuir complicações futuras.3     


Para as mulheres com SOP anovulatória que tentam engravidar, a abordagem da infertilidade é realizada antes de ser prescrito qualquer tipo de medicamento. Na prática clínica, mulher diagnosticada com SOP deve promover mudanças em seu estilo de vida antes da concepção ou da indução da ovulação, no tratamento de reprodução humana, principalmente aquelas que são obesas ou com sobrepeso. Com a perda de peso, é possível que a mulher tenha seus perfis hormonais melhorados e, deste modo, maiores chances de ovulação e menor risco de desenvolver a síndrome de hiperestimulação ovariana.5 Contudo, é necessário ter atenção às estratégias de minimização do risco, como, por exemplo, o uso do protocolo curto com análogos antagonistas do GnRH, desencadeamento da maturidade folicular com análogos agonistas do GnRH e congelamento total de embriões para transferência em ciclo posterior, para mulheres com SOP que se submetem ao tratamento de fertilização in vitro.15


 Colaborou: Talita Alves Bukai – Biomédica. Especialista em Reprodução Humana Assistida pela Associação Instituto Sapientiae.


 Referências bibliográficas


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