Síndrome hepatorrenal: novos critérios diagnósticos

Síndrome hepatorrenal: novos critérios diagnósticos

Por Dr. Igor Denizarde – A síndrome hepatorrenal (SHR) é uma grave complicação da doença hepática terminal, que ocorre, principalmente, em pacientes com cirrose avançada e ascite que apresentam acentuada disfunção circulatória, bem como naqueles com insuficiência hepática aguda. É caracterizada por vasoconstrição renal funcional, que causa redução da taxa de filtração glomerular (não responsiva à reposição de volume), apresentando anormalidades renais histológicas mínimas.


Aproximadamente, 18% dos pacientes com cirrose e ascite desenvolverão SHR em 1 ano e 39% em 5 anos. É a complicação da cirrose com pior prognóstico, tendo na sua apresentação clínica mais grave (SHR tipo 1) uma média de sobrevida de menos de 1 mês, caso não seja realizado o transplante hepático.


A SHR representa o estágio mais avançado da disfunção hemodinâmica da cirrose. Essas alterações são progressivas e começam precocemente, mesmo antes do aparecimento da ascite. As características principais da alteração hemodinâmica da cirrose são:


  • Vasodilatação esplâncnica
  • Redução do volume arterial efetivo
  • Estado hiperdinâmico com aumento do débito cardíaco
  • Redução da resistência vascular sistêmica
  • Vasoconstrição de diversos leitos vasculares extraesplâncnicos (inclusive circulação renal e cerebral)
  • Aumento da atividade dos sistemas renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e nervoso simpático (SNS) e aumento da vasopressina.


Classicamente, a lesão renal aguda (LRA) na cirrose tem sido definida como um aumento da creatinina sérica (CrS) acima de 50% do basal, para um valor superior a 1,5 mg/dl. Já o diagnóstico usual de SHR tipo 1 mostra duplicação da CrS para um valor maior do que 2,5 mg/dl no intervalo de 2 semanas. A CrS superestima a função renal em cirróticos em decorrência de vários fatores: menor produção de creatinina por conta da perda de massa muscular, maior secreção de creatinina nos túbulos renais, diluição da CrS pelo aumento do volume de distribuição e uma possível interferência de elevados valores de bilirrubina em alguns métodos laboratoriais de dosagem da CrS.


Recentemente, o International Club of Ascites (ICA) adotou as definições modernas de LRA (AKIN/KDIGO) para diagnosticar SHR; elas consistem em:


  • Diagnóstico de cirrose com ascite
  • Diagnóstico de LRA de acordo com os critérios ICA/AKIN (aumento de 0,3 mg/dl e/ou 50% do basal em 48 h)
  • Não melhora da função renal após 2 dias de suspensão dos diuréticos e expansão volêmica com albumina 1 g/kg/dia
  • Ausência de choque
  • Ausência de uso concomitante de fármacos nefrotóxicos [anti-inflamatórios não esteroides (AINE), aminoglicosídeos, contraste iodado etc.]
  • Nenhum sinal macroscópico de lesão renal estrutural (ausência de proteinúria > 500 mg/dia, sem hematúria > 50 hemácias p/c e ultrassonografia do aparelho urinário normal).

A principal alteração quanto aos critérios anteriores foi a retirada do ponto de corte elevado e rígido de CrS (2,5 mg/dl) para iniciar o tratamento farmacológico, o que permitiu, assim, sua instituição mais precoce, favorecendo sua maior eficácia.


Apesar de todos esses pré-requisitos para diagnosticar SHR, em algumas situações ainda é difícil diferenciá-la de lesão renal parenquimatosa [p. ex., necrose tubular aguda (NTA)]. Há, portanto, um grande estímulo ao uso de biomarcadores urinários para auxiliar no diagnóstico diferencial. O que se mostra mais promissor é o neutrophil gelatinase-associated lipocalin (NGAL), cujos níveis urinários são bem mais elevados em pacientes com NTA quando comparados a outras causas de LRA. Em um estudo com 241 pacientes com cirrose, os níveis de NGAL urinário foram 417 µg/l em pacientes com NTA, comparados com 30 µg/l em LRA pré-renal e 76 µg/l na SHR, p < 0,001.


Uma vez que os pacientes com LRA tenham recebido, durante 48 h, expansão volêmica com albumina 1 g/kg/dia sem resposta e preenchido completamente os critérios de SHR, indica-se o tratamento com terlipressina. Deve-se prosseguir com a albumina intravenosa (IV) na dose de 20 a 40 g/dia. A resposta ao tratamento deve ser avaliada regularmente e é definida como uma redução de, pelo menos, 25% da CrS; a dose de terlipressina deve ser gradualmente titulada até 12 mg/dia por até 14 dias, devendo ser suspendida caso não haja resposta. Os principais preditores de resposta à terlipressina são: valores basais de creatinina e bilirrubina menores, aumento na pressão arterial (ao menos 5 mmHg da pressão arterial média) em decorrência do tratamento, síndrome da resposta inflamatória sistêmica e valores de NGAL urinário baixos.


Uma alternativa à terlipressina, com menor custo, é a noradrenalina, que deve ser utilizada em acesso venoso central e com monitoramento intensivo. Um estudo recente mostrou reversão da SHR em 43% com noradrenalina e 39% com terlipressina, bem como sobrevida em 15 dias de 39 e 48%, respectivamente, p = 0,46).


A resposta ao tratamento da SHR com vasoconstritores e albumina atinge cerca de 40 a 50% dos pacientes e a taxa de recorrência é de 30%. O tratamento definitivo da disfunção hemodinâmica e da doença hepática de base é o transplante hepático, que deve ser considerado para todos os pacientes sem contraindicações.


Bibliografia


Angeli P. Diagnosis and management of acute kidney injury in patients with cirrhosis: revised consensus recommendations of the International Club of Ascites. J Hepatol. 2015;62:968-74.


Acevedo J. Hepatorenal syndrome: update on diagnosis and therapy. World J Hepatol. 2017;9(6):293-9.


Wong F. Recent advances in our understanding of hepatorenal syndrome. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2012;9:382-91.


Fagundes C. Urinary neutrophil gelatinase associated lipocalin as biomarker in the differential diagnosis of impairment of kidney function in cirrhosis. J Hepatol. 2012;57:267-73.


Wong F. Terlipressin improves renal function and reverses hepatorenal syndrome in patients with ystemic inflammatory response syndrome. Clin Gastroenterol Hepatol. 2017;15:266-72.


Singh V. Noradrenaline vs. terlipressin in the treatment of hepatorenal syndrome: a randomized study. J Hepatol. 2012;56:1293-8.


 


Compartilhe: