Sutura Hemostática de B-Lynch e seu Papel no Controle da Hemorragia Puerperal

Sutura Hemostática de B-Lynch e seu Papel no Controle da Hemorragia Puerperal

Por Dr. Nelson Sass – A morte materna é um evento trágico que atinge escala global. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que ocorram aproximadamente 303 mil mortes maternas a cada ano, sendo 99% delas em países pobres ou em desenvolvimento.1 No Brasil, diferentes regiões exibem assimetria nas taxas oficiais, sendo que os piores indicadores têm relação com desigualdade socioeconômica, nível educacional e acesso aos serviços de saúde.


A hemorragia pós-parto (HPP), em especial a atonia uterina puerperal, é causa importante de morte materna no Brasil. A alta letalidade do processo relaciona-se com a perda sanguínea maciça que ocorre em poucos minutos, exigindo pronto diagnóstico e adoção de intervenções efetivas, nem sempre implementadas em tempo oportuno.


Este texto tem como objetivo chamar a atenção para os principais pontos relacionados com o problema e propor a incorporação da sutura hemostática, que pode contribuir de forma efetiva para a redução de morbidade e mortalidade materna.


Fatores etiológicos e medidas preventivas


A atonia uterina (AU) é a causa mais comum de HPP, sendo responsável por 75 a 90% de todos os casos dessa grave enfermidade.2 No entanto, traumatismos do trato genital, como as lacerações vaginais e cervicais, ruptura uterina, retenção do tecido placentário ou distúrbios de coagulação materna também podem causar hemorragias puerperais graves. Sendo a AU a causa mais comum, será então o foco principal deste estudo.


A possibilidade de AU deve ser levada em consideração na assistência obstétrica, a fim de identificar fatores de risco que devem pautar a adoção de medidas preventivas. Destacam-se as seguintes situações:


  • Situações que determinam excessiva distensão uterina (macrossomia fetal, polihidrâmnio, gestação múltipla)
  • Trabalho de parto prolongado
  • Uso inadequado de ocitocina
  • Multiparidade
  • Descolamento prematuro de placenta.

Medidas preventivas com bom nível de evidência devem ser adotadas na rotina de assistência ao parto. Assim, o “manejo ativo do terceiro período do parto” pode reduzir riscos3, ação que consiste na aplicação intramuscular de 10,0 UI de ocitocina imediatamente após o desprendimento fetal, associada ao clampeamento oportuno do cordão umbilical e à aplicação de tração contínua e controlada do mesmo, caso não ocorra a expulsão espontânea da placenta. Essa medida reduz em 30 a 40% as perdas sanguíneas e, consequentemente, diminui a necessidade de transfusão sanguínea.


Tratamento


Diante do diagnóstico de HPP, causada por AU, uma sequência de ações terapêuticas deve ser adotada de forma coordenada.


Nessa situação, as seguintes ações devem ser implantadas o mais precocemente possível e em sequência:


  1. Compressão uterina vigorosa utilizando a manobra de Hamilton (compressão bimanual, comprimindo o útero na região hipogástrica e punho intravaginal), para reduzir o sangramento enquanto outras medidas são adotadas
  2. Ocitocina intravenosa 20 UI em bôlus ou intramuscular 10 UI
  3. Derivados da ergotamina, como a metilergometrina e metilergonovina, 0,2 mg intramuscular ou intravenosa, devem ser aplicados em caso de falha terapêutica inicial com a ocitocina3
  4. Misoprostol: 800 mcg intrarretal.

Um estudo não mostrou benefícios de ações adicionais, além da ocitocina. Desse modo, a equipe assistencial não deve retardar ações caso o uso de derivados da ergotamina e misoprostol (itens 3 e 4) não produzam resultados efetivos imediatos.4


No insucesso com essas medidas iniciais, outros métodos devem ser aplicados rapidamente na tentativa de controle da hemorragia, incluindo aplicações de balões intrauterinos, embolização arterial seletiva, ligadura de artérias ilíacas internas e histerectomia total ou subtotal.


A aplicação de sutura hemostática pode evitar histerectomias desnecessárias e pode ser efetiva para a correção de quadros de atonia refratários às medidas iniciais.5 Christopher B-Lynch descreveu uma técnica de sutura compressiva que vem sendo aplicada com sucesso em todo o mundo6,7 e é simples, rápida, de fácil execução e com curva de aprendizado rápida.


A técnica pode ser aplicada após parto cesáreo ou vaginal. Um teste prévio que avalia a possibilidade de sucesso consiste na compressão bimanual do útero; caso a manobra resulte na redução significativa do sangramento, a aplicação da sutura tem altas taxas de efetividade. Para pacientes com parto vaginal, a técnica original recomenda a histerotomia segmentar transversa previamente à aplicação da técnica, de maneira a permitir a observação da aplicação da sutura e a passagem do ponto pela cavidade uterina. Em nossa experiência, que tem sido crescente8, esse procedimento não tem sido feito de modo rotineiro nos casos em que a aplicação do ponto posterior ocorre em boa extensão e com firmeza. Evidente que, neste tempo, é necessário assegurar que não ocorreu a fixação de ambas as paredes uterinas.


A paciente deve estar em posição de litotomia para permitir que um assistente explore a via vaginal com gaze montada em pinça de De Lee, a fim de se constatar a redução do fluxo hemorrágico após a aplicação da sutura. Esta deve ser aplicada com o útero exteriorizado e submetido à compressão bimanual, sendo uma das mãos posicionada na parede posterior com as pontas dos dedos na altura do colo, enquanto a outra mão comprime a parede anterior para que todo o útero seja comprimido em sentido longitudinal. O útero permanecerá exteriorizado até o término da histerorrafia.


Com o uso de fio cromado categute-2 ou poliglactina-1 com agulha cilíndrica robusta de 70 mm, transfixa-se a parede anterior do útero 3 cm abaixo da borda inferior da histerotomia e a 3 cm da margem lateral direita do útero, emergindo 3 cm acima da borda superior da histerotomia e a 4 cm da borda lateral direita. O fio percorre externamente o corpo uterino em sentido longitudinal, passando entre 3 e 4 cm do corno uterino direito e descendo longitudinalmente pela parede posterior até o nível da histerotomia, na qual se transfixa a parede posterior do lado direito na altura do primeiro ponto de entrada do fio na parede anterior (Figuras 1, 2 e 3).


Figura 1 Esquema ilustrativo da aplicação da técnica de B-Lynch. Reproduzido com autorização do professor Christopher B-Lynch.



Figura 2 Vista anterior após sutura de B-Lynch.



Figura 3 Vista posterior após sutura de B-Lynch.



No sentido horizontal, em um ponto simétrico do lado esquerdo, transfixa-se a parede posterior. O fio sobe pela face posterior esquerda, percorrendo externamente o trajeto inverso ao descrito no lado direito. Após a compressão manual do útero realizada pelo assistente, o fio é tracionado pelas suas extremidades pelo cirurgião, aplica-se um nó duplo seguido de dois nós simples, para, depois, ser realizada a histerorrafia. Assista ao vídeo e consolide os passos da técnica.


Considerações finais


  • O tratamento adequado depende do diagnóstico etiológico correto da HPP e exige rápida intervenção, pois o quadro hemodinâmico se deteriora de uma forma muito rápida, visto que a cada 1 minuto passa 500 a 700 ml de sangue pelas artérias uterinas.
  • A histerectomia é a cirurgia de tratamento definitivo nas HPP por AU.
  • A técnica de sutura de B-Lynch é segura, simples e oferece uma boa alternativa para preservação do útero e sua fertilidade.

Referências bibliográficas


  1. Alkema L, Chou D, Hogan D, Zhang S, Moller AB, Gemmill A et al. Global, regional, and national levels and trends in maternal mortality between 1990 and 2015, with scenario-based projections to 2030: a systematic analysis by the UN Maternal Mortality Estimation Inter-Agency Group. Lancet. 2016;387(10017):462-74.
  2. Say L, Chou D, Gemmill A, Tuncalp O, Moller AB, Daniels J et al. Global causes of maternal death: a WHO systematic analysis. Lancet Glob Health. 2014;2(6):e323-33.
  3. Begley CM, Gyte GM, Devane D, McGuire W, Weeks A. Active versus expectant management for women in the third stage of labour. Cochrane Database Syst Rev. 2011(11):CD007412.
  4. Widmer M, Blum J, Hofmeyr GJ, Carroli G, Abdel-Aleem H, Lumbiganon P et al. Misoprostol as an adjunct to standard uterotonics for treatment of post-partum haemorrhage: a multicentre, double-blind randomised trial. Lancet. 2010;375(9728):1808-13.
  5. Kim TH, Lee HH, Kim JM, Jin JY. Uterine compression sutures theory. Arch Gynecol Obstet. 2015;292(5):947-8.
  6. B-Lynch C, Coker A, Lawal AH, Abu J, Cowen MJ. The B-Lynch surgical technique for the control of massive postpartum haemorrhage: an alternative to hysterectomy? Five cases reported. Br J Obstet Gynaecol. 1997;104(3):372-5.
  7. Kaya B, Tuten A, Daglar K, Onkun M, Sucu S, Dogan A et al. B-Lynch uterine compression sutures in the conservative surgical management of uterine atony. Arch Gynecol Obstet. 2015;291(5):1005-14.
  8. Nagahama G, Vieira LC, Jover PB, Leite GKC, Watanabe EK, Almeida SM et al. O controle da hemorragia pós-parto com a técnica de sutura de B-Lynch: série de casos. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007;29:120-5.

Vídeo sugerido pelo autor: www.youtube.com/watch?v=5O6tgop9Oo8


Colaborou Dr. Gilberto Nagahama, médico preceptor da Maternidade Escola de Vila Nova Cachoeirinha e mestrando do Programa de Pós-graduação em Obstetrícia da Unifesp.


 


 


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