Tabagismo na gestação

Tabagismo na gestação

Por Dr. Joel Rennó Jr. – Está claramente comprovada há algum tempo a associação entre cigarro e doenças respiratórias, cardíacas e vasculares, além de cânceres como pulmão e bexiga. Durante a gravidez, o cigarro causa crescimento uterino restrito, prejudicando o transporte de oxigênio e outros nutrientes para o feto. Há maior chance de prematuridade, que é uma importante causa de mortalidade neonatal e pior desenvolvimento neuromotor. Os bebês têm risco para nascerem com baixo peso (redução média de 200g), o que tem forte ligação com o desenvolvimento de doença coronariana, diabetes tipo 2 e obesidade na vida adulta.


Além disso, o fumo está associado com risco aumentado de abortamento, malformações congênitas, natimorto, maior risco de placenta prévia, gestação ectópica, ruptura prematura de membranas e morte súbita do recém-nascido. Na infância, há maior chance de hiperatividade, transtorno de conduta e impulsividade.


Isso acontece porque os componentes tóxicos do cigarro causam diretamente danos nas estruturas cerebrais e nos sistemas fisiológicos fetais. Pesquisas demonstraram que o cigarro altera as vias de neurotransmissores e atua na arquitetura cerebral em regiões associadas com o estresse e a regulação do humor, como o hipocampo.


Apesar disso, cerca de 1 em cada 10 gestantes (11,6%) fumou nos últimos 3 meses da gravidez, valores bem inferiores ao preconizado pelo governo americano, de 1,4%.


Fatores de Risco


A gestação é um período de grande motivação para a cessação do tabagismo, e por isso mais de 45% das mulheres param de fumar assim que descobrem a gravidez. Essas mulheres estão altamente motivadas a proteger seus bebês. Param de fumar primariamente pela saúde e bem-estar do bebê e secundariamente por sua própria saúde. Além disso, tendem a fumar menos cigarros, têm companheiros que não fumam e os níveis de dependência são menores. Infelizmente, somente 1/3 das mulheres que pararam de fumar espontaneamente mantém a abstinência após 1 ano.


No entanto, muitas mulheres continuam fumando. Essas mães tendem a ter mais problemas psicológicos e emocionais, menos recursos financeiros, mais problemas familiares e menor estabilidade residencial. Enquanto fumar para essas mulheres é um redutor do estresse, a gestação é mais frequentemente causador de estresse.


Ademais, as gestantes que sofrem de depressão, ansiedade, com menos escolaridade, vítimas de abusos físicos antes e/ou durante a gravidez, solteiras e que abusam de bebidas alcóolicas, têm maior chance de fumar.


Um artigo de revisão realizado na Inglaterra revelou que taxas de gestantes fumantes permanecem altas nos grupos que tendem a ter menos acesso aos serviços de pré-natal. Na Inglaterra, 12% das gestantes continuam fumando até o momento do parto, e o resultado contempla 83.000 crianças nascidas de mães fumantes por ano.


Além dos fatores de risco já descritos, as adolescentes apresentam 6 vezes mais chance de fumar do que mulheres mais velhas; as gestantes que são profissionais não qualificadas são 5 vezes mais propensas a fumar do que as profissionais qualificadas.


Associação entre fumo, depressão e ansiedade na gestação


A gestação é um dos períodos de vulnerabilidade para as mulheres desenvolverem algum tipo de transtorno mental, e os principais são a depressão e a ansiedade que acometem cerca de 15% a 25% das gestantes. Durante a progressão da gravidez, a placenta produz e libera exponencialmente o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) que altera o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal que está totalmente relacionado com a resposta ao estresse.


A nicotina afeta vários neurotransmissores que têm influência na fisiopatologia da depressão por meio da ativação ou dessensibilização dos receptores nicotínicos. Esses receptores interferem no sistema neuroendócrino e estão envolvidos na depressão e no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.


A nicotina pode aumentar a quantidade de CRH e de hormônio adenocorticotrófico, resultando em aumento dos níveis de cortisol, e consequentemente afeta o humor, a cognição e o comportamento. Estudos sugerem que pessoas expostas ao fumo passivo têm menores níveis de dopamina e GABA2 neurotransmissores.


Weng et al. (2016) determinaram que gestantes expostas ao fumo passivo têm maior chance de ter depressão perinatal e ideação suicida.


Indivíduos com doenças mentais referem que o cigarro os ajuda a diminuir o estresse. No entanto, uma meta-análise de 26 estudos longitudinais, comprovou que parar de fumar está associado com menor ansiedade, depressão e estresse, além de melhorar o humor e a qualidade de vida.


Mulheres com depressão e ansiedade são mais propensas a fumar durante a gravidez e menos a interromper o fumo. Cerca de 50% das mulheres com depressão e ansiedade fumam.


Idealmente, todas as gestantes (fumantes ou não) devem ser rastreadas para doenças mentais, principalmente depressão e ansiedade, que são as mais comuns. Na vigência dessas doenças e do fumo, o tratamento para ambas as condições deve ser oferecido.


Intervenções comportamentais


As intervenções no início da gestação (antes de 20 a 24 semanas) são efetivas no abandono do tabagismo. Estima-se que esse tipo de intervenção aumente a taxa de abandono do cigarro de 11% a 15%.


O aconselhamento médico deve ser dado de forma clara e objetiva, com discurso positivo e sem julgamento. Deve-se falar sobre a saúde do bebê, a impossibilidade de amamentar se fumar. Para ser efetivo, o médico precisa de sensibilidade e tato para abordar o assunto.


Existem alguns facilitadores que ajudam o profissional a promover a cessação do fumo, e os mais comuns são:


– Engajamento dos companheiros que muitas vezes também são fumantes;


– Estabelecer uma relação de confiança com a gestante;


– Reconhecer o estilo de vida da paciente e o contexto em que o cigarro está inserido. Por exemplo, mulheres que vivem em condições desfavoráveis, com muitos fatores estressores, têm mais dificuldade de parar de fumar, pois o cigarro age como suporte;


– Encorajar a pelo menos diminuir a quantidade de cigarro, se não conseguir abstinência. Apesar de não haver quantidade segura de cigarro na gravidez, existe uma relação de dose-resposta. Assim, quanto maior o consumo de cigarro pela gestante, menor será o desenvolvimento físico e mental da criança;


– Oferecer serviços com estrutura para o tratamento do tabagismo (ter medicações, adesivo de nicotina, suporte psicológico), além de facilitar o acesso das mulheres a eles, como meios de transporte até o local de tratamento, locais para cuidar das crianças enquanto as mulheres estiverem em avaliação;


– Políticas públicas para combater o tabagismo.


A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem se mostrado uma boa aliada para o tratamento do tabagismo. Constitui em sessões que identificam e abordam as barreiras cognitivo-comportamentais na cessação do tabagismo, levando em consideração o contexto da gravidez e da adaptação puerperal. Foca-se nas percepções dos riscos, nos prós e contras do fumo, na angústia e nas estratégias de autocontrole. Além disso, consta de exercícios que ajudam as pacientes a perceber suas reações cognitivas e afetivas na cessação do tabagismo.


Essas intervenções são efetivas, mas em mulheres com alta dependência do cigarro podem não ser suficientes.


Conclusão


Os estudos são unânimes em considerar o fumo um grande mal à saúde materna, do feto e do desenvolvimento da criança, no entanto não são conclusivos em determinar qual o melhor tratamento e a sua segurança durante a gestação.


Deve-se estimular a paciente a alcançar abstinência total do cigarro, apesar das dificuldades que isso significa.


Ao se iniciar o tratamento para o tabagismo, temos que levar em consideração as vulnerabilidades sociais, as doenças associadas (principalmente depressão e ansiedade), o nível de maturidade emocional, o desejo pela gestação, as incertezas sobre o futuro.


Para se ter esse panorama sobre os aspectos da vida das pacientes é fundamental criar um bom vínculo terapêutico e estabelecer uma relação de confiança, e, sempre que possível, levar toda a família (especialmente os companheiros) para ser parceira do tratamento.


O tratamento medicamentoso e a reposição de nicotina sempre devem ser considerados em casos de alta dependência do cigarro.


A intervenção comportamental é ainda a melhor ferramenta para o tratamento, e em especial a terapia cognitivo-comportamental (TCC), de acordo com os estudos mais recentes.


Colaboraram Juliana Cavalsan, Amaury Cantilino, Renan Rocha, Jeronimo Ribeiro, Gislene Valadares e Antonio Geraldo. Artigo adaptado da publicação original Revista Debates em Psiquiatria, da Associação Brasileira de Psiquiatria.



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