Telemedicina em tempos de coronavírus

Telemedicina em tempos de coronavírus

Após o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta ter afirmado a necessidade de a telemedicina ser regulamentada com urgência para ser usada como arma na crise contra o COVID-19, o Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizou, em caráter excepcional, o uso dessa prática em três modalidades: teleorientação, telemonitoramento e teleinterconsulta.


Em 2019, o CFM chegou a publicar a Resolução CFM n. 2.227/2018, revogada no mesmo mês em que foi publicada, após alguns médicos terem alegado que não haviam sido consultados. Fato é que passaram dois anos dessa resolução sem que uma nova fosse publicada.
Ainda assim, é possível utilizar dois artigos do Código de Ética Médica que justificam o uso da telemedicina.


Por exemplo, o Art. 36 dispõe que é vedado ao médico “abandonar paciente sob seus cuidados”. Nesse mesmo sentido, a orientação do Art. 37 é de: Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento.


Parágrafo único. O atendimento médico à distância nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do CFM.


Nesse sentido, a questão ética estaria superada, embora o CFM não tenha sido claro quanto à liberação da teleconsulta em seu Ofício encaminhado ao Ministério da Saúde.


Mais dois momentos jurídicos podem ter corroborado a admissibilidade do uso da telemedicina: a Lei n. 13.979, de fevereiro de 2020, que “dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”, e o pedido para o reconhecimento de estado de calamidade pública.


 A lei que reconhece a emergência em saúde, bem como a constatação de um momento de flagelo coletivo, autorizam medidas de exceção. Ao retomar o Art. 37 do Código de Ética Médica, nele estão presentes os requisitos de urgência ou emergência ali previstos para tornar ético o atendimento à distância do paciente, mesmo sem o exame clínico.


Ninguém deseja enfrentar horas em uma fila de banco para pagar uma conta, e muitos se recusam a sair de casa para fazerem suas compras, de roupas a remédios. Essa realidade não é diferente na área da saúde. Os tempos são outros, ainda mais em uma guerra declarada contra o vírus.


Vale esclarecer que nunca houve ilegalidade na telemedicina, ainda que haja um médico e um paciente em cada ponta. Há, sim, uma lacuna regulamentadora ética à espera dessa regulamentação, que está sendo preparada pelo CFM. Fato é que todos os envolvidos legalmente apresentam responsabilidade solidária e proporcional para a eventualidade de algum dano ao paciente. Ademais, questões como direito à privacidade, garantia da inviolabilidade das informações, confidencialidade, tratamento de dados pessoais, registro das informações dos pacientes, entre outras, são extremamente relevantes e não podem ser desprezadas nessa discussão entre disrupção digital, telemedicina e legislação correlata.


A telemedicina é uma realidade presente em outros países há muito tempo. A ferramenta, em um conceito amplo, é utilizada em hospitais e por planos de saúde de diversos países, como EUA, Austrália e Inglaterra, especialmente para a teletriagem em casos de baixa complexidade, resultando em grande redução de custos no atendimento e experiência positiva ao cidadão que não precisa se deslocar para ter sua consulta.


Prova de que os órgãos reguladores reconheceram a importância da incorporação da tecnologia no atendimento à distância está na recente notícia de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se manifestou favorável à utilização de assinatura digital nos receituários médicos, desde que no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP Brasil). É necessário ampliar a regulamentação para otimizar situações cotidianas que estão ocorrendo à margem de protocolos rígidos. Em tempos de COVID-19, os médicos, por sobrevivência, precisarão fazer uso da telemedicina.


Sempre o que sobrevive, em qualquer tempo, é aquele que se adapta às mudanças. É a hora de mudanças definitivas.


 


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