Tornar-se médico

Você tem consciência do que é tornar-se médico? Com frequência faço esta pergunta aos meus alunos. Vou tentar respondê-la.


Não pense que é no momento em que recebe o diploma na festa de formatura, nem quando o registra no Conselho Regional de Medicina. A colação de grau é apenas um ato administrativo e um momento solene que significa que você concluiu o curso de medicina. No entanto, não é ali, em um passe de mágica, que ocorre a transformação do “estudante de medicina” em “médico”. Na festa de formatura você vai vivenciar com seus familiares as alegrias de concluir uma difícil e inesquecível etapa de sua vida, que são os 6 anos em uma escola de medicina, enquanto no Conselho Regional de Medicina você vai adquirir o direito legal de exercer a profissão médica. Contudo, não é em nenhum desses momentos, que você vai tornar-se um médico de verdade. Quando será, então?


Tornar-se médico é um processo complexo que talvez tenha iniciado quando você decidiu estudar medicina, ou até antes. Não importam as influências que o levaram a tomar esta decisão. Todas são válidas, embora algumas sejam mais nobres que outras. Fazer parte de uma família de médicos é uma das mais comuns. Desejar ser útil para outras pessoas é uma boa razão. Querer ser bem-sucedido social e economicamente, embora essa possibilidade seja cada vez mais improvável, também é uma motivação justificável. Seja como for, o processo de tornar-se médico vai se tornando concreto ao ser aprovado no vestibular. Os primeiros contatos com pacientes, na condição de estudante de medicina, são momentos importantes no processo de tornar-se médico. Aliás, acredito que os contatos iniciais com pacientes podem ser decisivos. É a hora da verdade! Nestes momentos você vai perceber se tem ou não vocação. Em outras palavras, suas reações diante de uma pessoa doente, fragilizada, em sofrimento, esperançosa ou desiludida, são a prova de fogo de seu desejo de ser médico.


Não estou querendo dizer que tudo torna-se claro naqueles primeiros encontros. Podem até ser fonte de dúvidas, incertezas, não sendo de estranhar que você se pergunte: “É isso mesmo que eu quero?” Não queira ter respostas prontas para esses questionamentos. O processo de “tornar-se médico” é lento e pode ser até penoso. Além do mais, ele é uma somatória de pensamentos, ações, decisões, dúvidas e perguntas, algumas com respostas, outras não.


Uma coisa eu sei: o processo de “tornar-se médico” vai causar profundas modificações em seu mundo interior… E exterior!


Quem poderá te ajudar nesta passagem? Sua família? Sim, o apoio de seus familiares é importante para renovar forças. Os colegas? Bons colegas estimulam o estudo e ajudam a crescer emocionalmente. Os professores? Alguns farão isso, outros não. Alguns podem inclusive exercer influência negativa, quando eles próprios não conseguiram alcançar o final do processo de “tornar-se médico”. Digo isso, porque conheci e convivi com professores que nunca conseguiram conquistar a postura de verdadeiros médicos. Tinham o direito legal de exercer a profissão médica, mas o faziam em nível tão baixo que jamais poderiam ajudar os estudantes a se tornarem médicos de primeira categoria. Não é que não tivessem competência técnica. Não era isso que faltava a eles. Pelo contrário, alguns deles eram exímios “especialistas” em determinadas áreas. O que não tinham conseguido era incorporar os valores e as atitudes que caracterizam um verdadeiro médico. Sabiam prescrever medicamentos e/ou fazer difíceis intervenções, porém, não tinham, por exemplo, o mínimo respeito pelos pacientes. Não sabiam reconhecer a fragilidade deles ou até tiravam proveito disso, enganando-os com falsas promessas, para tirar vantagens financeiras ou de outra natureza, até sexuais.


Um desses professores chegava ao ponto de se referir aos pacientes internados nas enfermarias do Hospital das Clínicas como “bonecos”, no sentido pejorativo desta palavra. Para eles, não eram pessoas – homens e mulheres – que lá estavam, mas simples “bonecos”, sem alma, sem emoções, sem família, sem nada. Como um “professor” desta categoria e com esta mentalidade poderia ajudar os estudantes, sob sua responsabilidade, a se tornarem médicos? Simplesmente impossível! Se reconhecer este tipo de médico entre seus professores, fuja deles…


Ao pensar em escrever estas cartas, um dos meus objetivos era ajudá-lo a tornar-se médico, abordando não o lado técnico da medicina, porém, outro lado, no qual residem as qualidades humanas e os princípios éticos, mas também as dúvidas, decepções, incertezas, ou seja, o lado cinzento da trajetória de um estudante de medicina. Cinzento, mas que pode ir adquirindo um magnífico colorido à medida que o projeto de ser médico vai se tornando realidade.


Esteja certo de que quem mais poderá ajudá-lo é você mesmo! Busque no seu íntimo a motivação mais profunda para estudar medicina, para compreender por que está sacrificando convívio com a família, lazer e horas de descanso. Mais do que isso: aprenda a ver o que está atrás das palavras com as quais os pacientes relatam seus padecimentos. É neste lado da medicina que você encontrará as chaves que vão revelar os segredos para tornar-se médico. Um médico de verdade!



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