Tratamento da Leishmaniose Cutânea com Antimoniato de Meglumina Intralesional
- 27 de out de 2017
Por Dr. Armando de Oliveira Schubach – Desde que Gaspar Vianna, em 1914, introduziu o tártaro emético no tratamento da leishmaniose tegumentar americana (LTA), os antimoniais continuam sendo utilizados mundialmente para o tratamento de todas as formas de leishmaniose. Na década de 1940, os antimoniais trivalentes, pouco tolerados pelos pacientes, foram substituídos pelos antimoniais pentavalentes. Embora mais bem tolerados, os antimoniais pentavalentes também são administrados por via intramuscular ou intravenosa e apresentam toxicidade importante.
Durante décadas, a Organização Mudial de Saúde (OMS)[1] recomendou o uso de antimoniais pentavalentes para o tratamento da forma cutânea da leishmaniose (LC). No Brasil, o antimoniato de meglumina é disponibilizado gratuitamente pelo Ministério da Saúde. As doses recomendadas para o tratamento sistêmico (intramuscular ou intravenoso), variam de 10 a 20 mg de antimônio pentavalente/kg de peso corporal/dia por 20 a 30 dias, tendo eficácia em torno de 70%[2,3]. Efeitos adversos clínicos, eletrocardiográficos e laboratoriais, de intensidades variadas, são frequentes e requerem estreito monitoramento durante sua administração.
Com frequência, o tratamento precisa ser interrompido, temporária ou definitivamente, devido a alterações eletrocardiográficas, renais, hepáticas ou pancreáticas[2,4]. Quando necessários, são utilizados os medicamentos de segunda escolha, anfotericina B e pentamidina, igualmente tóxicos e de uso parenteral[2]. Embora a LTA não seja uma doença letal, o seu tratamento pode causar reações adversas sérias e levar ao óbito. Todos os anos, no Brasil, são notificados cerca de 20 mil casos de LTA com dezenas de óbitos[2].
Alternativamente, antimoniais pentavalentes por via intralesional são utilizados há várias décadas para o tratamento da LC no Velho Mundo, onde não há a forma mucosa da leishmaniose (LM)[1]. Na década de 1980, com base nos relatos de sucesso com o tratamento intralesional no Oriente Médio, o antimoniato de meglumina intralesional (AM-IL) foi introduzido no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (INI/Fiocruz), Rio de Janeiro[5]. Inicialmente, para tratar pacientes impossibilitados de receber o tratamento convencional, posteriormente, o seu uso foi ampliado para um maior número de pacientes que foram acompanhados por longo tempo sem o desenvolvimento de LM[5,6].
Em 2010, a OMS reconheceu que a LC não é uma doença letal, que complicações graves são raras e que o risco de evolução para a forma mucosa é baixo[1,7–9]. Portanto, o seu tratamento não deveria por em risco a vida dos pacientes e, como primeira opção, deveriam ser indicados tratamentos locais, menos tóxicos[1]. Em 2013, a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) também passou a recomendar o tratamento intralesional e enfatizou a necessidade de se incorporar dados científicos produzidos em cada país aos programas de controle nacionais[10].
Em 2016, a técnica desenvolvida no INI foi descrita em detalhes[11]. Em resumo: o AM é injetado por via subcutânea, com o volume necessário para infiltrar a base da lesão, deixando-a elevada e intumescida (geralmente 5 a 20 mL). Não há restrição quanto a número, localização ou tamanho das lesões cutâneas. Entretanto, particularidades anatômicas locais, tais como a presença de vasos sanguíneos e estruturas nobres, devem ser consideradas. Espera-se uma resposta terapêutica favorável após 1 a 3 infitrações com AM-IL em intervalos quinzenais. Caso a epitelização total da lesão seja observada antes da terceira infiltração, o tratamento pode ser interrompido; se não for observada após a terceira infiltração, o paciente deve ser mantido sem tratamento e reexaminado a cada 2 semanas.
Até três meses seguintes, espera-se observar progressão contínua para a epitelização total. Nos meses subsequentes à epitelização, espera-se que desapareçam sucessivamente as crostas, a descamação, a infiltração e o eritema até a cicatrização total. Entretanto, o tratamento deverá ser reiniciado com o mesmo esquema caso a lesão piore ou pare de evoluir para a cicatrização total[12].
A partir de 2017, o Ministério da Saúde, introduziu o tratamento com AM-IL no Brasil e adotou a técnica desenvolvida no INI, com pequenas adaptações às recomendações da OPAS[2,10]. Até recentemente, toda a nossa experiência com o tratamento com AM-IL havia sido desenvolvida no INI/Fiocruz, Rio de Janeiro[5,13,14]. Entretanto, em todo o Brasil, o tratamento da LTA costuma ser realizado em unidades básicas de saúde, caracterizadas pela carência de recursos e dificuldades operacionais para o manejo de comorbidades, monitoramento de efeitos adversos e utilização de medicamentos de segunda linha, como anfotericina B e pentamidina. Nessas condições, esquemas terapêuticos simples, práticos e seguros como o AM-IL são desejáveis.
Com a intenção de produzir novas evidências científicas, o tratamento com antimoniato de meglumina intralesional foi aplicado, pela primeira vez, em uma série de pacientes com LC atendidos em um posto de saúde, localizado no município mineiro de Timóteo. Os resultados iniciais foram animadores[15] e a eficácia foi superior aos 70% esperados, sem que nenhum paciente precisasse interromper o tratamento devido a efeitos adversos. Os pacientes foram acompanhados por um ano sem reativação das lesões cutâneas nem evolução para LM[16].
O tratamento da leishmaniose cutânea com AM-IL é uma técnica simples, eficaz e segura, podendo ser utilizado na rede de atenção básica à saúde. Acreditamos que o seu uso como primeira opção poderá diminuir a morbidade e letalidade relacionadas ao tratamento da LC.
Com o apoio do Ministério da Saúde e da OPAS, encontra-se em fase de implantação um ensaio clínico controlado, randomizado, multicêntrico para comparar o tratamento sistêmico convencional com o AM-IL em diferentes estados brasileiros.
Referências bibliográficas
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Colaborou: Maria Cristina de Oliveira Duque, Médica Dermatologista, Mestre em Pesquisa Clínica pelo INI/Fiocruz
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