Trombocitopenia Aloimune Fetal-neonatal

Trombocitopenia Aloimune Fetal-neonatal

Por Dr. Carlos Antonio Barbosa Montenegro – A trombocitopenia com um substrato imunológico durante a gravidez pode ser classificada, grosso modo, em dois distúrbios: (1) trombocitopenia aloimune fetal-neonatal e (2) trombocitopenia imune primária materna, uma condição autoimune. A trombocitopenia aloimune fetal-neonatal não tem efeito na mulher, mas pode ser responsável por mais casos de hemorragia intracraniana relacionados à trombocitopenia do que todas as outras condições trombocitopênicas primárias maternas.


Trombocitopenia aloimune fetal-neonatal


Também conhecida como trombocitopenia aloimune neonatal, a trombocitopenia aloimune fetal-neonatal tem mecanismo patogênico equivalente ao da doença hemolítica perinatal; desenvolve-se como resultado da aloimunização materna a antígenos plaquetários fetais com transferência de anticorpos plaquetários específicos e subsequente destruição das plaquetas do concepto.


Essa condição afeta 1 em 1.000 a 3.000 nascidos vivos e pode ser grave e potencialmente fatal. Ao contrário da aloimunização Rh, a trombocitopenia aloimune fetal-neonatal pode afetar a primeira gravidez. À semelhança da aloimunização Rh, a doença tende a ser igualmente grave ou progressivamente pior em gestações subsequentes.


Em casos típicos de trombocitopenia aloimune fetal-neonatal não antecipada, a mulher é saudável, tem contagem de plaquetas normal, e a gravidez e o parto transcorrem como nas pacientes obstétricas de baixo risco. O neonato, todavia, apresenta evidências de profunda trombocitopenia ou desenvolve a sintomatologia algumas horas após o parto. Um recém-nascido afetado frequentemente manifesta petéquias ou equimoses generalizadas, por vezes ainda na apresentação fetal.


A complicação mais grave da trombocitopenia aloimune fetal-neonatal é a hemorragia intracraniana. Sua incidência em casos de imunização HPA-1a é de cerca de 20%. A maioria (80%) das hemorragias intracranianas ocorre in utero, e metade dos casos é diagnosticada pela ultrassonografia.


Diversos sistemas de antígenos polimórficos, dialélicos, que residem nas glicoproteínas da membrana plaquetária, são responsáveis pela trombocitopenia aloimune fetal-neonatal. Existem mais de 15 antígenos plaquetários humanos (HPA) oficialmente reconhecidos. Inúmeros HPA podem causar sensibilização e doença fetal importante, mas a maioria dos casos graves relatados na população caucasiana tem ocorrido como resultado da sensibilização contra o HPA-1a. A trombocitopenia decorrente da sensibilização HPA-1a tende a ser grave e pode ocorrer já no início da gestação.


Na população caucasiana, o HPA-1a é o mais comum antígeno plaquetário, responsável por cerca de 80% dos casos de trombocitopenia aloimune fetal-neonatal. Noventa e oito por cento das mulheres caucasianas apresentam genótipo HPA-1a, e aproximadamente 2% são HPA-1a negativas (homozigotas HPA-1b/1b) e, portanto, suscetíveis à doença. Se o pai tiver o genótipo heterozigoto HPA-1a/1b, 50% dos filhos poderão ser afetados; caso o genótipo paterno seja homozigoto HPA-1a/1a, 100% das crianças apresentarão risco para a trombocitopenia aloimune fetal-neonatal. Assim, o risco de recorrência está relacionado à zigotia do pai.


Tratamento pré-natal


O melhor sinal preditivo não invasivo de trombocitopenia fetal grave é a história de filho anterior com hemorragia intracraniana in utero. O principal objetivo da conduta obstétrica na gravidez complicada por trombocitopenia aloimune fetal-neonatal é prevenir a hemorragia intracraniana e complicações associadas, sequelas neurológicas e morte.


Em gestações definidas como de alto risco para hemorragia intracraniana (criança na gravidez anterior afetada por hemorragia intracraniana perinatal), as mães devem receber a combinação de imunoglobulina intravenosa (IGIV) e prednisona, tratamento mais efetivo para uma resposta fetal plaquetária satisfatória. Em gestações de risco padrão (criança na gravidez anterior afetada sem hemorragia intracraniana), tanto IGIV como prednisona isoladas são benéficas.


Se uma hemorragia intracraniana for detectada no período pré-natal, a trombocitopenia aloimune fetal-neonatal deverá ser fortemente considerada, estando indicadas a pesquisa de anticorpos antiplaquetários maternos e a genotipagem sorológica das plaquetas nos progenitores para identificar possível incompatibilidade.


Tradicionalmente, inclui-se a cordocentese no controle da trombocitopenia aloimune fetal-neonatal para determinar a necessidade de uma terapia efetiva. Todavia, têm sido relatadas graves complicações decorrentes da cordocentese em até 8% dos casos, de modo a contraindicar o procedimento invasivo.


Além da história da paciente, o tratamento deve basear-se na presença de anticorpos antiplaquetários maternos e no HPA correspondente nas células fetais. O HPA fetal é obtido por amniocentese (PCR no líquido amniótico), e recomenda-se que a cordocentese seja realizada após a 32ª semana de gestação em mulheres que planejem parto vaginal.


O parto vaginal não está contraindicado em fetos com contagem de plaquetas acima de 50.000 a 100.000/mm3, mas a cesariana será obrigatória quando a contagem de plaquetas estiver abaixo desse nível.


Tratamento pós-natal


O tratamento é feito com concentrado de plaquetas compatíveis antígeno-negativas. Não há consenso universal sobre qual seja o limite da contagem de plaquetas para iniciar o tratamento: para neonatos pré-termo, estipulam-se 10.000 a 50.000/mm3 e, para aqueles de termo, 5.000 a 10.000/mm3. O tratamento com IGIV também tem sido relatado.


Futuro


Um novo método já disponível para genotipar o HPA-1a fetal no sangue materno é o teste pré-natal não invasivo (NIPT), que certamente substituirá a amniocentese, tornando talvez universal o rastreamento da trombocitopenia aloimune fetal-neonatal e evitando, assim, o infortúnio do concepto na primeira gravidez.


 


Compartilhe: