Um estranho no ninho: os tumores primários do sistema nervoso central

Um estranho no ninho: os tumores primários do sistema nervoso central

Por Dr. Gabriel Novaes de Rezende Batistella – Desde o começo dos estudos médicos, sabe-se que o encéfalo não possui muita opção de acomodação, pois ele existe em um sistema fechado (o crânio); logo, qualquer “inquilino” novo deverá existir à custa de perda de algo (doutrina de Monro-Kellie), seja mobilização liquórica, redução do fluxo vascular para o sistema nervoso central (SNC) ou, mesmo, sofrimento do parênquima encefálico, quando, em um momento crítico, tudo se torna inefetivo. Isso explica apenas parte dos sintomas de um portador de tumor primário do SNC ou de uma ou mais metástases cerebrais. Infelizmente, pouco se sabe sobre os fatores de risco. Essa doença não acarreta apenas sofrimento físico, mas também pessoal e familiar.


De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA) espera-se cerca de 5.810 casos novos de câncer no SNC em homens e 5.510 em mulheres em 2018/2019, tornando-o o 11o colocado entre as causas de cânceres na Região Sudeste do país.1 De forma geral, o câncer cerebral é uma doença rara, porém com elevada mortalidade. Nos EUA, o principal órgão responsável pela coleta de dados sobre tumores primários e outros tumores no SNC é o Central Brain Tumor Registry of the United States (CBTRUS), que, em sua última análise, demonstrou que esses tumores representaram o principal tipo de câncer até os 14 anos de idade, e a quarta maior causa de morte nesta faixa-etária, além de ser a quinta causa de mortalidade dentre 15 e 39 anos (faixa em que os acidentes estão em primeiro lugar); possui também mortalidade estimada de 8,94 para cada 100 mil após os 40 anos de idade, faixa em que as doenças cardiovasculares predominam, seguidas por doenças pulmonares, câncer de próstata em homens e mama em mulheres.2


Futuras estimativas deverão ser distintas das atuais, visto a mudança dos critérios diagnósticos dos tumores do SNC pela nova classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) lançada em 2016, em que, pela primeira vez, são utilizados parâmetros moleculares para o diagnóstico etiológico. Com isto, muitas dúvidas antigas passaram a ser respondidas e, por consequência, muitas entidades tumorais foram removidas da classificação e outras realocadas. Caminhamos menos míopes para um futuro no qual cada tumor deverá ser encarado como único, assim como sua abordagem terapêutica.


A maioria dos tumores no SNC é maligna?


De um modo geral, existem mais de 100 tipos tumorais reconhecidos pela OMS.3 Apenas 31,5% de todos os tumores primários do SNC são ditos malignos (ou câncer) e 68,5% não malignos por denominação patológica.2 Contudo, tumores benignos por definição histológica e/ou molecular podem ter comportamento maligno e causar extrema morbidade.


Mulheres possuem mais chance de desenvolver um tumor não maligno do que os homens, possivelmente pelo maior predomínio de meningiomas e tumores hipofisários no gênero feminino. A prevalência do subtipo tumoral varia conforme idade, gênero, sexo, etnia e sítio no SNC. A Figura 1 ilustra, de forma resumida, a prevalência tumoral conforme a idade.


Figura 1 Prevalência dos diversos tumores no SNC



Quais os fatores de risco para o desenvolvimento de tumores no SNC?


Muito provavelmente, a maioria dos pacientes, em algum momento, questionará se fez (ou deixou de fazer) algo durante sua vida para desenvolver um tumor cerebral. Talvez o uso excessivo de celular? Ter trabalhado em algum ambiente com exposição química? Ser técnico de radiologia? Infelizmente existem poucas respostas na literatura. No momento, o maior e mais bem avaliado fator de risco é a exposição à radiação ionizante.


Três tipos de radiação em relação ao risco de formação tumoral no SNC foram estudados: ionizante, eletromagnética e de radiofrequência. Observou-se que a célula meníngea é particularmente sensível à primeira; enquanto as outras duas não foram associadas com aumento do risco. A radiação ionizante também se mostrou fator de risco para a formação de gliomas e tumores de bainha de mielina, não somente meningiomas.4


O telefone celular, em si, é uma fonte de radiofrequência. Por isso, motivos não faltam para que haja preocupação quanto ao risco de essas ondas gerarem tumores, visto que estes aparelhos são usados a maior parte do dia. Estudos estão sendo desenvolvidos, e em uma metanálise foi verificado que o uso do celular por mais de 10 anos poderia elevar o risco de formação tumoral no SNC. A OMS considera o campo eletromagnético por radiofrequência possivelmente carcinogênico em humanos. Estudos ainda são necessários para confirmar se, de fato, deve-se ter cuidado com o uso do aparelho.5-8


Referências Bibliográficas


  1. Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2018 – Incidência de câncer no Brasil. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2018/. Acesso em 12 jun 2018.
  2. Ostrom QT, Gittleman H, Liao P, Vecchione-Koval T, Wolinsky Y, Kruchko C et al. CBTRUS Statistical Report: primary brain and other central nervous system tumors diagnosed in the United States in 2010-2014. Neuro Oncol. 2017;19(suppl_5):v1-v88.
  3. Louis DN, Perry A, Reifenberger G, von Deimling A, Figarella-Branger D, Cavenee WK et al. The 2016 World Health Organization Classification of Tumors of the Central Nervous System: a summary. Acta Neuropathol. 2016;131(6):803-20.
  4. Braganza MZ, Kitahara CM, Berrington de González A, Inskip PD, Johnson KJ, Rajaraman P. Ionizing radiation and the risk of brain and central nervous system tumors: a systematic review. Neuro Oncol. 2012;14(11):1316-24.
  5. Myung SK, Ju W, McDonnell DD, Lee YJ, Kazinets G, Cheng CT et al. Mobile phone use and risk of tumors: a meta-analysis. J Clin Oncol. J Clin Oncol. 2009;27(33):5565-72.
  6. Corle C, Makale M, Kesari S. Cell phones and glioma risk: a review of the evidence. J Neurooncol. 2012;106(1):1-13.
  7. Deltour I, Auvinen A, Feychting M, Johansen C, Klaeboe L, Sankila R et al. Mobile phone use and incidence of glioma in the nordic countries 1979-2008: consistency check. Epidemiology. 2012;23(2):301-7.
  8. Little MP, Rajaraman P, Curtis RE, Devesa SS, Inskip PD, Check DP, Linet MS. Mobile phone use and glioma risk: comparison of epidemiological study results with incidence trends in the United States. BMJ. 2012;344:1-16.

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