Vasectomia no Contexto de Planejamento Familiar no Brasil

Vasectomia no Contexto de Planejamento Familiar no Brasil

De acordo com a Lei 9.263, de janeiro de 1996, entende-se como planejamento familiar no Brasil o “conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”, sendo vetada a utilização de ações “para qualquer tipo de controle demográfico”. Dentro deste contexto, a cirurgia esterilizadora masculina, conhecida como “vasectomia”, é considerada a medida mais próxima do definitivo para homens que não desejam se tornar pais. No Brasil, a cirurgia é oferecida tanto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), quanto pelas operadoras privadas, por meio do sistema suplementar.


Vasectomia x laqueadura tubária


Em termos de eficácia, os resultados são praticamente os mesmos ao compararmos os métodos de esterilização masculina (vasectomia) e feminina (laqueadura tubária). De acordo com dados epidemiológicos, a taxa de gravidez indesejada após a realização destes métodos é menor que 0,5%.


Contudo, quando as opções cirúrgicas para contracepção definitiva são comparadas em aspectos como complexidade e custos, os resultados tendem a ser favoráveis à vasectomia. O valor médio para a realização do procedimento feminino é aproximadamente 4 vezes mais oneroso que o masculino. Além disso, a laqueadura compreende um procedimento transabdominal com taxas de sangramento maiores e tipo de anestesia mais complexo que a vasectomia, a qual é geralmente realizada na genitália externa sem necessidade de acesso intracavitário, apresenta níveis de hemorragia mínimos e, na maioria dos casos, é feita sob anestesia local.


O tempo de recuperação também é favorável à vasectomia. Para realizar laqueadura tubária, há necessidade de internação hospitalar por pelo menos 24 horas; a cirurgia esterilizadora masculina, por sua vez, é geralmente realizada em centros cirúrgicos ambulatoriais, sem necessidade de internação.


Após a consideração desses aspectos, sempre que possível e desde que haja concordância do paciente/casal, se for necessário escolher entre o procedimento de esterilização masculino e o feminino, a tendência é recomendar a realização de vasectomia, em virtude de sua baixa complexidade.


Uma lei polêmica: quem pode ser submetido à vasectomia no Brasil?


A lei do planejamento familiar que vigora desde os anos 1990 é considerada polêmica por muitos profissionais de saúde. O texto esclarece que podem ser submetidos à cirurgia esterilizadora “homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de 25 anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce”. O texto abre ainda uma exceção, permitindo o procedimento de esterilização definitivo em caso de “risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos”.


O conflito ocorre, pois, pelo texto da lei, é permitido, por exemplo, que jovens de 16 anos com dois filhos vivos ou, ainda, um indivíduo de 26 anos sem prole constituída sejam submetidos à cirurgia esterilizadora, masculina ou feminina. Essas duas situações mencionadas como exemplo são temerárias, pois estudos mostram que as taxas de arrependimento após procedimentos esterilizadores com proposta definitiva geralmente ocorrem em pacientes menores de 30 anos (fator mais importante de arrependimento pós-vasectomia/laqueadura) ou com relacionamento instável ou, ainda, naqueles que se divorciam após o procedimento.


Para tornar o texto menos polêmico, a sugestão feita por muitos especialistas seria substituir a palavra “ou” por “e” na lei. Assim, para ser submetido à cirurgia esterilizadora, seriam pré-requisitos: idade maior que 25 anos e pelo menos dois filhos vivos.


Cabe ressaltar que, por ser um procedimento com intenção definitiva, a Sociedade Brasileira de Urologia recomenda que um termo de consentimento informado seja assinado pelo indivíduo que será submetido à vasectomia e, caso exista, por ra ser submetido seu cônjuge.


Complicações da vasectomia


A vasectomia é um procedimento cirúrgico de baixa complexidade. Por ser realizada com anestesia local e com duração média de 30 min, suas complicações são mínimas e normalmente autolimitadas. Hemorragias (2% dos casos), infecções cutâneas (10% dos casos), lesão iatrogênica de estruturas adjacentes (4% dos casos) e fístulas deferento-cutâneas (menos de 1% dos casos) figuram entre as complicações de curto prazo mais comuns.


A complicação pós-operatória de longo prazo mais observada é o granuloma espermático, em que pode ser palpada uma formação nodular, indolor, no trajeto ocupado pela porção do ducto deferente removido. Ocorre em 10% dos casos e costuma apresentar resolução lenta, mas espontânea.


Não há ainda estudos com metodologia científica adequada que geram evidências científicas de boa consistência, capazes de demonstrar associação entre cirurgia de vasectomia e desenvolvimento de câncer de próstata, risco cardiovascular, disfunção erétil, redução da libido, hiperplasia prostática benigna e cálculo das vias urinárias.


No procedimento cirúrgico, é removido um trecho pequeno do ducto deferente direito e esquerdo em seu trajeto escrotal e, por isso, não há alteração no aspecto/volume macroscópico do ejaculado.


A vasectomia pode falhar?


A vasectomia é considerada um dos métodos contraceptivos mais eficazes e seguros, visto que o índice de falha é muito baixo e fica em torno de 0,15%. A taxa de insucesso está diretamente relacionada com a técnica cirúrgica adotada e geralmente é mais frequente quando os ductos deferentes são seccionados e ligados, sem nenhum procedimento subsequente, como cauterização dos cotos ou, ainda, sutura invertida dos resquícios de canal deferente.


Reversão da vasectomia


A reversão de um procedimento de vasectomia é possível, embora nem sempre seja eficaz. A cirurgia de reversão é muito mais complexa, sendo realizada em ambiente microcirúrgico, exigindo lentes de aumento. Os fios operatórios, necessários para a reversão, são todos muito delicados e de pequeno diâmetro, como aqueles geralmente utilizados em cirurgias oftalmológicas. Além desses fatores, para o urologista, a curva de aprendizado do procedimento de reversão é bem mais longa que aquela da cirurgia esterilizadora.


Atualmente, acredita-se que o período de 5 anos após a vasectomia seria o prazo máximo para viabilidade de uma cirurgia reconstrutora dos canais deferentes. Isso porque a área submetida à vasectomia é geralmente preenchida por tecido fibroso e, muitas vezes, o comprimento viável de ducto deferente se torna muito reduzido, inviabilizando a anastomose entre os cotos.


Bibliografia


Barreiro AOG, Wagner HL, Stein AT et al. Esterilização masculina: indicação. Projeto Diretrizes – Conselho Federal de Medicina e Associação Médica Brasileira, 2009. Disponível em: http://www.sbmfc.org.br/media/file/diretrizes/14Esterilizacao_Masculina.pdf.


Shih G, Zhang Y, Bukowski K et al. Bringing men to the table: sterilization can be for him or for her. Clin Obstet Gynecol. 2014 Dec;57(4):731-40.


Smith GL, Taylor GP, Smith KF. Comparative risks and costs of male and female sterilization. Am J Public Health. 1985 Apr;75(4):370-4.


 


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