Ventilação com posição prona | Benefícios e cuidados
- 12 de mar de 2018
Dr. Jorge Luis dos Santos Valiatti – A posição prona tem sido usada nos últimos anos como terapia adjuvante em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), promovendo melhora da oxigenação e diminuição da mortalidade. Inicialmente, seu uso não demonstrou impacto na sobrevida, segundo os resultados do estudo clássico de Gattinoni et al., (2001). Porém, na análise post hoc desse estudo, houve evidência de redução da mortalidade em 10 dias no subgrupo de pacientes com a relação entre pressão arterial parcial de oxigênio (PaO2) e fração inspirada de oxigênio (FiO2) < 88, o que levantou a hipótese de que os pacientes mais graves poderiam se beneficiar dessa estratégia.
As pesquisas continuaram até que, em 2013, foi publicado o primeiro ensaio controlado com resultado de diminuição da mortalidade com o uso da posição prona, que se tornou uma terapia adjuvante recomendada em casos de SDRA com hipoxemia moderada e grave (PaO2/FiO2 < 150), desde que realizada em unidades com equipe treinada e respeitando-se as contraindicações.
A colocação do paciente em posição prona tem a grande vantagem de recrutar alvéolos com impacto hemodinâmico positivo. Estudos têm demonstrado melhora hemodinâmica, no desempenho do ventrículo direito (VD) – principalmente nos casos em que há cor pulmonale agudo (ACP) –, na pressão de platô e na pressão parcial de gás carbônico (PaCO2). Gattinoni et al. (2003) publicaram importante trabalho avaliando pacientes com SDRA ventilados em posição prona, e a diminuição de PaCO2 observada nesses pacientes foi identificada como marcador de mortalidade.
A posição prona é um procedimento relativamente simples, seguro e de baixo custo, desde que realizado por equipes treinadas. Seu uso precoce em pacientes com SDRA moderada e grave (PaO2/FiO2 < 150) é atualmente recomendado em virtude de reduzir significativamente a mortalidade, benefício este demonstrado em duas metanálises e pelo estudo PROSEVA.
Conforme descrito pelo estudo ARDSnet, o estudo PROSEVA testou a ventilação mecânica protetora em mais de 400 pacientes com SDRA, com randomização para uso ou não da posição prona. A mortalidade observada foi menor no grupo prona de maneira muito significativa (p < 0,0000256). Vale ressaltar que ambos os grupos tiveram pressão de platô < 30 cmH2O e volume corrente adequado, com variação aproximada de pressão positiva expiratória final (PEEP) média entre 9 e 10 cmH2O, ou seja, uma estratégia com PEEP considerada baixa para pacientes com SDRA grave, ponto que chamou a atenção no estudo.
Associado às demais metanálises citadas, o estudo permitiu que as Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica de 2013 recomendassem o uso de prona nas primeiras 48 horas em casos selecionados de SDRA moderada (PaO2/ FiO2 < 150) e nos casos de SDRA grave, ressaltando-se que as equipes devem estar adequadamente treinadas para sua realização.
Para realizar corretamente a posição prona, é preciso atentar para as seguintes orientações:
- Separar todo o material necessário e definir a equipe antes de iniciar a manobra
- Rechecar o carrinho de parada e os recursos de intubação e deixá-los à disposição
- Elevar a FiO2 para 100% 10 minutos antes, durante e após a rotação
- Checar o tamanho da extensão de linhas endovenosas e arteriais que serão mantidas durante a pronação
- Manter drogas vasoativas e sedação durante a pronação
- Checar a extensão dos circuitos do ventilador antes de pronar
- Interromper a dieta 2 horas antes da pronação
- Checar – e reforçar, se preciso – todas as fixações de acessos arteriais ou venosos, tubo/traqueostomia, sondas e drenos eventuais
- Se o paciente estiver ventilando em pressão controlada (PCV), monitorar a queda de volume exalado; se estiver em volume controlado (VCV), atentar para pico de pressão
- Otimizar a sedação e a analgesia; o paciente deve estar profundamente sedado e, se necessário, curarizado
- Instituir acesso venoso central e monitoramento contínuo de pressão arterial invasiva antes de iniciar o processo. Pode-se realizar hemodiálise depois de pronado, mas não durante a rotação
- Colocar travesseiros ou coxins na frente do paciente distribuídos de modo a aliviarem os pontos de apoio anatômicos principais
- Colocar coxins na cintura pélvica e escapular para alívio da compressão sobre o abdome. É preciso ter cuidado com o apoio e o repuxamento de sondas em genitais
- Usar proteção para testa, face, joelhos e ombros (placas hidrocoloides)
- Considerar colocar uma fralda absorvente na face do paciente; trocar, quando estiver muito úmida. Disponibilizar coxim especial para a cabeça, evitando apoio em olho, pavilhão auricular e mento
- Monitorar o eletrocardiograma pelo dorso após a rotação. Durante a rotação, é possível colocar os eletrodos nos braços, usando o “método do envelope”
- Movimentar o paciente, principalmente a face, a cada 2 horas pelo menos
- Mudar a posição dos braços, acima e abaixo da linha interescapular, a cada 2 horas pelo menos
- Manter dieta enteral com volume menor, conforme aceitação, durante a pronação
- Certificar-se de que os olhos estão fechados; ocluir, se necessário
- Manter o decúbito em prona pelo menos 16 horas nos respondedores, desde que não existam sinais de sofrimento cutâneo ou de dor em outro órgão atribuídos à posição prona
- Monitorar a resposta à rotação com SpO2 imediatamente após pronar: se houver dessaturação abaixo de 90%, mantida após 10 minutos da rotação, retornar à posição supina. Do contrário, manter o paciente pronado e coletar gasometria após 1 hora de pronação. Considerar o paciente como respondedor se a relação PaO2/FiO2 aumentar em 20 ou a PaO2 aumentar em 10 mmHg
- Retornar à posição supina se houver parada cardiorrespiratória, piora hemodinâmica grave, arritmias malignas ou suspeita de deslocamento da prótese ventilatória
- Sugere-se envolver cinco pessoas para efetuar a rotação.
Existem também algumas contraindicações absolutas e relativas para a realização da posição prona, como:
- Hipertensão intracraniana
- Fratura pélvica
- Fratura de coluna vertebral
- Hipertensão intra-abdominal (contraindicação relativa; avaliar a relação risco/benefício)
- Peritoniostomia
- Gestação (contraindicação relativa; avaliar a relação risco/benefício para a mãe e o feto de acordo com o trimestre da gestação)
- Tórax instável
- Síndrome compartimental abdominal
- Instabilidade hemodinâmica (ou seja, uso crescente da dose de substâncias vasoativas). Após estabilizada a pressão arterial, mesmo em uso de substâncias vasoativas, pode-se indicar a pronação
- Equipe não treinada.
Figura 1. Paciente em posição prona. Coxins posicionados. Choque séptico + SDRA grave (relação PaO2/FiO2 = 98), com extenso colapso alveolar em regiões basais. Ecocardiograma revelou aumento de ventrículo direito e hipotensão arterial com aumento da PEEP de 10 para 15 cmH2O. Manteve-se a estratégia protetora com volume corrente = 5 ml/kg PBW, frequência respiratória = 25 ipm, e a PEEP foi reduzida de 15 para 10 cmH2O, com pressão de platô = 25 cmH2O e pressão de distensão = 15 cmH2O. Optou-se pela pronação por 18 horas, com melhora importante e sustentada da relação PaO2/FiO2, chegando a 300 no final do período, com redução da PaCO2 de 65 mmHg (pré-prona) para 45 mmHg (pós-prona). Fonte: Arquivo pessoal / Fotografia autorizada
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Colaborou Dr. ALEXANDRE MARINI ÍSOLA. Médico Intensivista pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Pneumologista pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Médico Gerente do Departamento de Educação Continuada do Imed Group Brasil. Coordenador Nacional do Curso VENUTI – AMIB. Coordenador do Projeto de Ensino à Distância (EAD) – AMIB.