Vitamina D em dermatologia | Além da mineralização óssea

Vitamina D em dermatologia

A vitamina D é responsável pela manutenção dos níveis séricos e extracelulares de cálcio, ao estimular o transporte ativo do cálcio da luz do duodeno para o sangue e a reabsorção renal da vitamina D. Esses mecanismos objetivam prover uma mineralização óssea normal.


A vitamina D2 deriva de fontes alimentares. Enquanto a vitamina D3 (colecalciferol) é sintetizada primariamente na pele exposta à radiação ultravioleta B (predominante entre 10 e 15 h; justamente a radiação mais carcinogênica). A pró-vitamina D (7-deidrocolesterol), presente nas camadas basal e espinhosa da epiderme, é convertida em vitamina D3. Então, é conduzida ao fígado e transformada em 25-hidróxi-vitamina D [25(OH)D] pela enzima microssomal vitamina D-25-hidroxilase, para armazenamento.1


Na pele, a vitamina D atua na maturação do colágeno dérmico e na matriz extracelular, além de regular a proliferação e a diferenciação queratinocítica (fibroblastos e queratinócitos têm receptores para a vitamina D).


Na epiderme, há evidências de que a vitamina D, por meio de receptores específicos e coativadores, atua tanto na formação da barreira cutânea e na imunidade inata (regulando a síntese de peptídeos antimicrobianos), quanto na diferenciação epidérmica (aumentando a expressão de queratinas 1, 10, filagrina e loricrina). Também apresenta efeito na queratina capilar, aumentando a diferenciação dessas proteínas para a síntese da haste.2


Tem-se estudado o efeito da diferenciação epidérmica principalmente na psoríase: baixos níveis de vitamina D associados à obesidade e à síndrome metabólica estão relacionados com agravamento da doença. Em contrapartida, níveis séricos de vitamina D normalizados causam uma melhora do quadro cutâneo.3


Ademais, evidências crescentes apontam para o papel da vitamina D na inflamação causada pela dermatite atópica. Peroni et al.4 demonstraram uma correlação inversamente proporcional entre os níveis da vitamina D e o SCORing Atopic Dermatitis (SCORAD). Outro estudo, conduzido por Amestejani et al.5, comprovou que a suplementação dela foi capaz de melhorar significativamente o quadro de pacientes com dermatite atópica, independentemente da gravidade.


Em várias doenças autoimunes, observaram-se níveis reduzidos de vitamina D (por exemplo,  pacientes com vitiligo quando comparados a grupos de controle), mas ainda é um enigma o efeito exato exercido por ela.6


Contudo, outros estudos indicam piora de algumas doenças com a administração de vitamina D. Na rosácea, seus níveis são naturalmente maiores, e como  a vitamina D pode ser potente indutora da catelicidina LL-37 (desencadeante das crises), sua ação imunomuladora parece pró-inflamatória.7 Neste caso, a suplementaçao deve ser cuidadosa.


Outro ponto polêmico é a associação da vitamina D a tumores cutâneos: baixos níveis de 25(OH)D estão relacionados com um risco aumentado de desenvolver câncer basocelular.8 Em contrapartida, altos níveis de 25(OH)D apresentam risco maior de câncer de pele do tipo não melanoma.9


Conclui-se, portanto, que a suplementação da vitamina D não deve ser rotineira. Sua adoção precisa ser não só justificada, como monitorada.


Sol ou suplementação?

De acordo com o Consenso de Fotoproteção da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD),10 a carência de vitamina D não está necessariamente relacionada com menor exposição solar;  portanto, essa medida não é recomendada, visto que pode desencadear doenças, como tumores malignos. É importante frisar que não há níveis “seguros” de exposição solar.


No Brasil, poucos minutos de sol por dia são suficientes para a síntese da vitamina D. É importante frisar que a pele com queimadura solar apresenta menor concentração de vitamina D e redução de até 64% na conversão da vitamina D3, quando comparada ao grupo de controle.11


A fotoproteção diária, no país, não parece interferir significativamente nos níveis séricos de vitamina D em indivíduos adultos normais. É o que comprova um estudo que avaliou a concentração sérica da vitamina D3 e do paratormônio (PTH) em pacientes residentes em São Paulo, divididos em dois grupos. No grupo não fotoprotegido, os níveis de vitamina D foram de  35,4 ng/ml (21,86 a 72,20), enquanto no grupo fotoprotegido foi de 29,2 ng/ml (23,10 a 45,80). Os níveis de PTH também estavam dentro da faixa de normalidade: 29,8 pg/ml (18,98 a 73,94) no grupo não fotoprotegido e 19,24 pg/ml (8,06 a 66,18) no fotoprotegido.12


Indivíduos mais velhos com exposição solar intensa apresentam níveis  séricos de 25(OH)D menores do que o do grupo de controle, composto por pessoas mais jovens, o que comprova menor capacidade de síntese.13 Nesse caso, a suplementação deve ser considerada. Além da faixa etária, existem outros grupos e situações de risco para hipovitaminose D:10

  • Aleitamento materno exclusivo após 6 meses
  • Idade avançada
  • Baixa exposição solar
  • Condições climáticas extremas
  • Medidas fotoprotetoras rigorosas
  • Cobertura da pele por motivos religiosos
  • Grandes áreas cicatriciais
  • Pessoas de pele escura (fototipos V e VI)
  • Pacientes com síndrome da má absorção
  • Grandes restrições dietéticas
  • Obesidade mórbida.

Comentários finais

Há evidências de que níveis baixos de vitamina D podem causar impacto negativo em várias patologias cutâneas e sistêmicas. Portanto, a suplementação da vitamina D só se justifica para  alcançar níveis normais e mantê-los. Do mesmo modo, não deve ser estimulada a exposição solar sem fotoproteção, já que a radiação necessária também promove carcinogênese cutânea, considerada o tumor maligno de maior prevalência no Brasil.14


Referências bibliográficas

1. Holick MF, Binkley NC, Bischoff-Ferrari HA et al. Evaluation, treatment, and prevention of vitamin D deficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96:1911-30.

2. Bikle DD. Vitamin D metabolism and function in the skin. Mol Cell Endocrinol. 2011;347(1-2):80-89.

3. Barrea L, Savanelli MC, Di Somma C et al. Vitamin D and its role in psoriasis: an overview of the dermatologist and nutritionist. Rev Endocr Metab Disord. 2017;18(2):195-205.

4. Peroni DG, Piacentini GL, Cametti E et al. Correlation between serum 25-hydroxyvitamin D levels and severity of atopic dermatitis in children. Br J Dermatol. 2011;164:1078-82.

5. Amestejani M, Salehi BS, Vasigh M et al. Vitamin D supplementation in the treatment of atopic dermatitis: a clinical study. J Drugs Dermatol. 2012;11:327-30.

6. Silverberg JI, Silverberg AI, Malka E et al. A pilot study assessing the role of 25 hydroxy vitamin D levels in patients with vitiligo vulgaris. J Am Acad Dermatol. 2010;62:937-41.

7. Ekiz O, Balta I, Sen BB et al. Vitamin D status in patients with rosacea. Cutan Ocul Toxicol. 2014;33(1):60-2.

8. Asgari MM, Tang J, Warton ME et al. Association of prediagnostic serum vitamin D levels with the development of basal cell carcinoma. J Invest Dermatol. 2010;130(5):1438-43.

9. Eide MJ, Johnson DA, Jacobsen GR et al. Vitamin D and nonmelanoma skin cancer in a health maintenance organization cohort. Arch Dermatol. 2011;147(12):1379-84.

10. Schalka S, Steiner D, Ravelli FN et al. Brazilian Society of Dermatology. Brazilian consensus on photoprotection. An Bras Dermatol. 2014;89(6 Suppl 1):1-74.

11. Klein GL, Chen TC, Holick MF et al. Synthesis of vitamin D in skin after burns. Lancet. 2004;363:291-2.

12. Maia M, Maeda S, Marçon CR. Correlation between photoprotection and concentrations of 25-hydroxyvitamin D and parathyroid hormone. An Bras Dermatol. 2007;82:233-7.

13. MacLaughlin J, Holick MF. Aging decreases the capacity of the skin to produce vitamin D3. J Clin Invest. 1985;76:1536-8.

14. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Câncer de pele não melanoma. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-nao-melanoma. Acesso em: 13 jan. 2020.

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