Como identificar e tratar adequadamente a fagofobia?

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A fobia alimentar (FA), ou fagofobia, é caracterizada pelo medo excessivo e condicionado de comer ou engolir, muitas vezes precipitado por um evento de vômito ou engasgo, levando à recusa alimentar por mais de um mês. Muitas vezes, é desencadeada após um evento traumático em que tenham ocorrido vômitos ou sensação de asfixia provocada pela comida. O início é mais comum na infância (principalmente em meninas ), em geral após alguma infecção ou evento que tenha cursado com vômito associado. A vivência traumática desse episódio pode ocasionar um comportamento mal-adaptativo, como a recusa alimentar.

A fagofobia apresenta importância clínica em função do risco de complicações clínicas e da possibilidade de erro diagnóstico por confusão com outras condições que acarretem restrição alimentar, como anorexia nervosa e bulimia. Nenhum dos sistemas classificatórios atuais (DSM e CID) inclui a FA como um diagnóstico independente. Sendo assim, ela poderia ser classificada como um transtorno alimentar não especificado ou uma fobia específica.

As primeiras referências conhecidas são de Higgs et al. , que apresentaram, em um estudo retrospectivo e longitudinal de 1989, um grupo de crianças que teria um transtorno intermediário entre a anorexia nervosa e evitação à comida, como um transtorno parcial de anorexia. Em 1996, Kim et al. realizaram um estudo prospectivo de pacientes com disfagia de etiologias diversas e observaram que havia alta prevalência de transtornos psiquiátricos, como depressão, ansiedade e somatizações, em pacientes com contrações esofagianas específicas, em comparação àqueles sem os mesmos sintomas.

O termo "choking phobia" foi usado por alguns autores durante um período, mas não fazia distinção entre os pacientes com disfagia psicogênica e aqueles que engasgavam ou aspiravam os alimentos por outras causas.

Em artigo de 1997, Shapiro et al. sugeriram o termo "fagofobia" para designar os casos de disfagia psicogênica, em que os pacientes apresentam queixas de dificuldade para engolir, mas têm exame físico e achados laboratoriais normais. Esses pacientes comumente consultam vários especialistas, como gastroenterologistas, otorrinolaringologistas e neurologistas, antes de procurarem o psiquiatra, muitas vezes com queixa de sensação de bolo na garganta. A sensação que relatam é de serem incapazes de engolir o alimento, algumas vezes acompanhada de medo de aspirar. Como acreditam que têm uma doença orgânica, esses pacientes raramente procuram o psiquiatra, e, dessa maneira, o diagnóstico é feito tardiamente.

A prevalência da FA é desconhecida, sobretudo em função das dificuldades diagnósticas. De fato, é bastante frequente o erro diagnóstico por confusão com outros transtornos psiquiátricos, sobretudo com os transtornos alimentares, especialmente anorexia nervosa. Porém, na FA não ocorrem a preocupação com ganho de peso nem distorção da autoimagem corporal, mas, em função da perda de peso associada e da recusa alimentar, esses pacientes são comumente diagnosticados com anorexia nervosa.

Os principais diagnósticos diferenciais da FA são:

  1. Anorexia nervosa, caracterizada por restrição calórica em relação às necessidades, perda de peso desejada, preocupação mórbida com o peso e/ou forma, comida e/ou alimentação, medo do ato de comer, ausência persistente de reconhecimento da gravidade do baixo peso corporal atual e amenorreia.
  2. Transtorno emocional de evitação alimentar caracterizado por evitação alimentar e perda de peso significativa, alteração do humor, prejuízo marcante no funcionamento psicossocial, sem a presença de doença cerebral, psicose ou efeitos do uso de substâ
  3. Disfagia funcional, que é a evitação alimentar, medo de engolir/engasgar, medo do ato de deglutir, excluindo doença médica orgânica.

Outros diagnósticos clínicos também poderiam dificultar o diagnóstico e devem ser excluídos, sobretudo quando queixas gastrointestinais são frequentes. Exames que avaliem a anatomia e funcionalidade do trato digestivo, sobretudo a endoscopia digestiva alta (EDA) e a esofagoscopia, podem ajudar a eliminar causas orgânicas como hérnias de hiato, hipotireoidismo ou tumores.

Apesar das dificuldades diagnósticas, a fagofobia deve ter sua avaliação e seu tratamento implementados o mais rápido possível, pois apresenta uma série de complicações clínicas possíveis, sobretudo as decorrentes da rápida perda de peso associada à restrição alimentar. Quando ocorrem vômitos, distúrbios hidroeletrolíticos e lesões gástricas e esofagianas também podem aparecer e exigem cuidados especiais.

McNally propõe que a fagofobia é, muitas vezes, o resultado de uma experiência traumática vivida ou presenciada pelo paciente, envolvendo, por exemplo, engasgo com comida ou remédio. Em um artigo de relato de caso, Ciyiltepe e Turkbay (2006) ressaltam que a fagofobia deve ser um diagnóstico de exclusão, logo uma investigação clínica prévia deve ser realizada para afastar-se uma causa orgânica.

Apesar do risco de complicações clínicas, a FA não é considerada um transtorno psiquiátrico independente. Muitas vezes, o paciente apresenta ansiedade antecipatória ao objeto temido e à comida, e comportamento de esquiva associado. Entretanto, a psicopatologia apresentada pode ser exclusivamente relacionada ao comportamento alimentar e às complicações clínicas, por exemplo o baixo peso. Dessa forma, é preferível classificar como um transtorno alimentar não especificado (TANE) em vez de fobia específica. Essa confusão diagnóstica dificulta tanto a pesquisa sobre a FA quanto o conhecimento de sua epidemiologia.

Assim como o recomendado para outros transtornos alimentares, o tratamento da fagofobia é interdisciplinar, sendo a reabilitação nutricional seu pilar fundamental. Uma das técnicas utilizadas pela terapia cognitivo-comportamental (TCC) é a exposição gradativa aos alimentos considerados proibidos ou desencadeadores de náuseas e vômitos. Peluso et al. (1994) observaram melhora dos sintomas alimentares e do comportamento evitativo em uma paciente com FA submetida a TCC, cujo tratamento utilizou técnicas de dessensibilização sistemática e exposição. Por sua vez, Singer et al. (1992) sugerem que a TCC consista de uma combinação individualizada de manejo de contingências, compartilhamento, dessensibilização, relaxamento e reestruturação cognitiva.

Concluindo, a  FA é um transtorno psiquiátrico pouco reconhecido e comumente diagnosticado como anorexia nervosa, em função da perda de peso acentuada. Dessa forma, é fundamental a investigação adequada dos diagnósticos diferenciais psiquiátricos em pacientes com desnutrição e baixo peso. O tratamento deve ser interdisciplinar, com ênfase na reabilitação nutricional e acompanhamento psicológico (sobretudo com as técnicas cognitivo-comportamentais). Além disso, deve ser implementado o mais breve possível, em função das complicações clínicas associadas.Dessa maneira, a inclusão da FA como um diagnóstico psiquiátrico independente poderia facilitar o reconhecimento de suas características clínicas e epidemiológicas, além de propiciar a avaliação de diferentes formas de tratamento.

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