Baixo percentual de amamentação no Brasil

Baixo percentual de amamentação no Brasil

Desinformação é o principal fator para o baixo percentual de amamentação no Brasil. Dados revelam que grande parte dos bebês brasileiros não é amamentada exclusivamente pelo leite materno. Nesta entrevista ao Portal GEN Medicina, o convidado Dr. Antonio Fernandes Lages, Ginecologista e Membro da Comissão Nacional Especializada em Aleitamento Materno da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), explicará os principais motivos deste índice baixo e qual a importância do leite materno para o bebê e a mãe.



GEN – De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, menos de 40% dos bebês de até 6 meses de idade são alimentados exclusivamente pelo leite materno. Em sua opinião, por que isso ocorre, tendo em vista que os indicadores brasileiros são mais baixos se comparados com os países desenvolvidos?

AFL – O desmame precoce tem causas multifatoriais. Inicialmente, podemos dizer que há pouco incentivo ao aleitamento materno e falta de informações, principalmente durante o pré-natal. Hoje, a maioria das mulheres faz mais de quatro consultas no pré-natal, mas o assunto aleitamento materno é muito pouco abordado. Existe também o grande problema da falta de apoio e assistência adequada à mulher em amamentação. Então, quando ocorrem pequenos problemas, como acúmulo de leite ou dificuldade de amamentar, a mulher não tem atendimento adequado e prefere iniciar a alimentação artificial e suspender a amamentação. Outra dificuldade relevante é a condição da mulher trabalhadora. É cada vez maior o número de mulheres que trabalham fora de casa, e a empresa dificilmente oferece condições para ela manter o aleitamento após o término da licença maternidade.



GEN – Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) apontam que no sexto mês de vida, apenas 9,3% das crianças mantêm a alimentação baseada somente no leite da mãe. A Febrasgo destaca que a desinformação é o principal fator ligado ao baixo acesso das crianças ao aleitamento materno. Quais são os principais mitos sobre o aleitamento materno no Brasil?

AFL – O principal mito é que o leite não sustentaria a criança. É um ciclo vicioso em que a criança chora e não pega o peito. A mãe fica insegura e oferece a mamadeira. A alimentação na mamadeira requer muito menos esforço para a criança; então, da próxima vez que o seio for ofertado, ela vai estranhar e rejeitar. Outro mito é que a amamentação deforma a mama. Isso não é verdade, mas a mulher tem dificuldade de acreditar.



GEN – De quais maneiras as informações podem ser mais bem exploradas com intuito de reverter este cenário?

AFL – O principal ambiente para oferecer informações seguras é o pré-natal. Precisamos falar em assistência pré-natal, não em consulta pré-natal. A consulta é algo simples, com conotação de doença. Assistência pré-natal passa a ideia de acolhimento e disponibilidade de ajudar. Outra medida necessária é incentivar e ampliar os serviços de apoio ao aleitamento materno. A maioria das unidades de saúde, e mesmo grandes maternidades, não possui estrutura para esse apoio. Também não há previsão de remuneração desses serviços pelo SUS ou por planos de saúde. O assunto, então, fica restrito a alguns serviços em hospitais públicos, o que é muito pouco quando imaginamos um universo com mais de três milhões de nascimentos anuais no Brasil.



GEN – Além da desinformação, quais são as outras causas que dificultam o acesso ao aleitamento materno e como revertê-las?

AFL – Faltam serviços de assistência ao parto de maneira integral, englobando desde o pré-natal até o apoio ao aleitamento. A legislação também precisa ser aperfeiçoada para oferecer melhores condições à mulher em amamentação no ambiente de trabalho, de modo a entender que isto é um investimento.

Outro ponto importante é a vigilância quanto à publicidade de substitutos do leite materno. Possuímos uma legislação rígida, mas as empresas produtoras de leites artificiais são criativas e agressivas na publicidade subliminar. Além disso, hoje, com as redes sociais, fica muito mais complexo acompanhar a divulgação tanto de informações falsas referentes à amamentação como de propagandas indiretas, que destacam as vantagens desses produtos.



GEN – Segundo a Febrasgo, 60% das gravidezes não são planejadas. Dentro deste perfil, incluem-se mães adolescentes, gestantes com antecedentes cirúrgicos mamários, obesas, mulheres submetidas à cirurgia bariátrica e grávidas de gêmeos. Como incentivar o aleitamento materno neste público em específico?

AFL – Volto à questão da estrutura adequada da assistência pré-natal. Esses grupos têm de ser captados ainda no início para orientação das possibilidades de amamentação, assim como para detectar os casos em que a amamentação não é viável e assim haver encaminhamento acertado. Por exemplo, deve-se abordar essa questão com uma adolescente cujo parto ocorreu há 5 dias, não recebeu nenhuma informação apropriada sobre aleitamento e está com dificuldade de amamentar.



GEN – Quais são os benefícios que a alimentação exclusiva com o leite materno pode trazer para a mãe e o bebê?

AFL – O leite materno é um alimento completo, que supre todas as necessidades da criança até os 6 meses de idade. Além disso, o aleitamento transfere anticorpos da mãe para o bebê, que adquire resistência contra várias doenças e reduz quadros de alergia e diarreia.



GEN – Quais as consequências um bebê pode ter, ao longo de sua vida, por não ter sido amamentado com leite materno?

AFL – Não é recomendável enfatizar essa questão, pois um número significativo de mães não consegue amamentar e pode ficar com sentimento de culpa. A amamentação traz muitas vantagens, mas a adaptação do ser humano é grande; então, a maioria absoluta supera essas deficiências com a idade. Além da menor incidência de alergias e obesidade, estudos mostram QI mais elevado nas crianças amamentadas ao peito.



GEN – Em termos de meta, qual seria a taxa ideal de amamentação no Brasil?

AFL – Para planejamento de uma estratégia, precisaríamos atingir, em 5 anos, no mínimo 60% de mães com aleitamento exclusivo até os 6 meses de idade. Com isso em mente, começar a trabalhar os principais fatores envolvidos no desmame, o que inclui toda a rede de assistência ao pré-natal, parto e puerpério – começando pelas equipes de saúde da família, pois a mulher que vai desmamar seu filho precocemente, em outubro de 2020, ainda não engravidou. Então, há um tempo longo para a abordagem do assunto.

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