Entendendo as dores de cabeça

Entendendo as dores de cabeça

Dor de cabeça, ou cefaleia, é uma condição clínica comum que atinge significativa proporção de pessoas ao longo da vida, sendo frequente a indicação informal de medicamentos para o alívio dos sintomas. No entanto, existe uma enorme variedade de cefaleias, cujo tratamento também é diverso. Em 2018, a Sociedade Internacional de Cefaleia publicou estudo em que classificava os tipos de cefaleia.1 Segundo a publicação, grande quantidade de condições clínicas e funcionais manifestam-se com cefaleias. Felizmente, a maioria dos casos tem caráter benigno. Dois dos principais grupos de cefaleia serão abordados a seguir, por representarem tipos comuns e frequentes.


O entendimento popular de que dor de cabeça é sinônimo de enxaqueca não é correto. Migrânea ou enxaqueca é uma condição comum que acomete cerca de 15% da população mundial, mais frequentemente as mulheres. Um estudo revelou que a enxaqueca é a terceira causa mundial de incapacidade pessoal e socioeconômica em homens e mulheres com menos de 50 anos.2 O quadro clínico é de cefaleia de moderada a forte intensidade, com duração de 4 a 72 h (se tratada com sucesso ou não), que ocorre por três meses consecutivos, é geralmente unilateral e, principalmente, de caráter pulsátil. O indivíduo com enxaqueca sofre com náusea e vômitos repetitivos, além de incômodo gerado por luz e sons altos (foto e fonofobia, respectivamente). Durante uma crise de enxaqueca, o estado geral do indivíduo é acometido, com tendência a isolamento em locais escuros e silentes. Portadores de enxaqueca podem ter melhora dos sintomas com uso de medicações específicas, especialmente se administradas no início do quadro. Dias ou horas antes do início da crise, podem ocorrer pródromos, ou seja, sintomas iniciais do distúrbio: ansiedade, compulsão por alimentos, cansaço, excitação, dor no pescoço ou sensação outra difícil de descrever.


Um grupo de pessoas apresenta as “auras”, sintomas neurológicos que, na maioria das vezes, precedem a crise de dor ou ocorrem durante a crise. Esses sintomas, além de ajudarem no diagnóstico diferencial, desenvolvem-se em mais de 5 min e regridem em menos de 1 h.1 No entanto, são reversíveis. A “aura” é caracterizada por escotomas cintilantes (como enxergar estrelas ou feixes luminosos, geralmente pela visão de um dos olhos), turvação visual, sensação de dormência ou formigamento na pele, dificuldade de fala, falta de equilíbrio (menos frequente) ou sensação visceral vaga abdominal ou encefálica que não conseguem caracterizar bem.


A enxaqueca geralmente ocorre uma ou duas vezes ao mês. Se mais frequente (mais de duas crises por mês, preenchidos os critérios diagnósticos precisos), o médico deverá considerar a possibilidade de medicamentos profiláticos. De várias classes, esses fármacos devem adequar-se à condição clínica do paciente.


O diagnóstico da migrânea pode ser dificultado pela ocorrência da enxaqueca crônica, que se caracteriza por cefaleia de 15 dias ou mais de duração por mês, sendo que em oito ocasiões, o quadro é típico de enxaqueca.1 Esses quadros são de difícil tratamento, e pode ser difícil de interromper o uso de medicamentos analgésicos por automedicação. Por isso, é de suma importância enfatizar que algumas enxaquecas podem ter sua intensidade e frequência agravadas pelo uso crônico e abusivo de analgésicos.


Entre os fatores que desencadeiam ou pioram o quadro de enxaqueca, são comuns alimentos (vinho, cerveja, queijos, chocolate) ou jejum prolongado. Outros alimentos também podem desencadear ou piorar o quadro de dor. Em contrapartida, portadores de enxaqueca podem ter melhora do quadro ao praticar atividades físicas.


Outro tipo comum de cefaleia é a tensional, bem mais comum que a enxaqueca. Segundo a Classificação Internacional de Cefaleias, o tipo tensional pode ser episódica ou crônica. A cefaleia tensional episódica é subdividida em frequente e não frequente, esta última acomete praticamente toda a população. Já a cefaleia tensional episódica frequente atinge de 30 a 78% da população e tem como critérios diagnósticos: pelo menos uma crise por mês; duração de aproximadamente 30 min; bilateralidade; intensidade moderada; característica tensional; não é agravada por atividade física e não apresenta fono e fotofobia (ou apenas um desses sintomas). O diagnóstico se dá quando dez crises ocorrem em um período de até 14 dias por mês, por um período superior a 3 meses, e com duração de horas até 7 dias. Por sua vez, a cefaleia tensional crônica ocorre quando há mais de 15 crises em 1 mês, por mais de (180 dias de dor em 1 ano),1 sendo a condição mais grave e incapacitante.


A cefaleia tensional é diferente da enxaqueca. O mais comum é que a pessoa apresente dor acometendo toda a cabeça, tipicamente mais intensa nas regiões temporais e frontais, e que por vezes manifesta-se no fundo dos olhos. Normalmente inicia-se em baixa intensidade pela manhã e torna-se progressivamente mais intensa durante o dia, podendo ser forte ao final da tarde ou ao anoitecer. A cefaleia tensional pode persistir por vários dias e até semanas. Ao contrário de indivíduos com enxaqueca, portadores de cefaleia tensional apresentam-se em bom estado geral, sem náuseas ou vômitos, porém irritados, inquietos, ou frustrados pela não resolução do quadro. Geralmente, há dor na nuca. A dor é do tipo constritiva, como se algo “apertasse” a cabeça. Analgésicos e anti-inflamatórios melhoram a dor no início do quadro. Na maioria das vezes, a dor melhora com o sono, e geralmente não faz o paciente acordar à noite. Segue-se essa sequência de eventos no dia seguinte e assim por diante.


A automedicação é muito frequente em casos de cefaleia e se justifica pelo fato de o distúrbio afetar o desempenho laboral e social do indivíduo. Com o passar do tempo, o uso de diversos medicamentos ou de grande dosagem de um fármaco específico pode tornar o efeito analgésico menos eficaz. A medicação mais adequada para um tipo de cefaleia não serve para outro. A piora da cefaleia por uso indiscriminado de analgésicos é fato bem documentado. O médico deve ser consultado em casos de cefaleias de repetição. A documentação das crises de dor em um diário é recomendada pela Sociedade Brasileira de Cefaleia (Quadro 1). Futuramente abordaremos a ocorrência de cefaleias decorrentes de problemas mais graves, as quais, se não diagnósticas corretamente, podem ter consequências catastróficas.


Quadro 1. Diário de cefaleia, conforme indicado pela Sociedade Brasileira de Cefaleia.

Quadro 1. Diário de cefaleia, conforme indicado pela Sociedade Brasileira de Cefaleia

1 = Dor fraca (não interfere em suas atividades).

2 = Dor moderada (interfere, mas não impede suas atividades).

3 = Dor forte (impede suas atividades).

Índice de cefaleia =

Períodos =

Dias sem cefaleia =

Atenção: (1) anote os fatores desencadeantes de cefaleia identificados por você, bem como o nome das medicações utilizadas durante as crises; (2) não esqueça de preencher este diário ou de leva-los às consultas de retorno. Estas anotações são fundamentais para o seu tratamento. 


Referências bibliográficas

  1. Headache Classification Committee of the International Headache Society (IHS). The International Classification of Headache Disorders, 3rd edition. Cephalalgia. 2018;38(1):1-211.
  2. GBD 2015 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 310 diseases and injuries, 1990-2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. Lancet. 2016; 388:1543-602.

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