Essenciais, mas negligenciados: profissionais da saúde sofrem com falta de amparo psicológico

 Essenciais, mas negligenciados: profissionais da saúde sofrem com falta de amparo psicológico

A área da saúde está sobrecarregada e nem todos os profissionais estão integralmente preparados para lidar com a pandemia. Em uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB), da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP/FGV), foi constatado que apenas 14,2% dos profissionais de saúde sentem-se preparados para lidar com o novo coronavírus (Covid-19). A maioria dos entrevistados (64,97%) respondeu não estar apta para trabalhar na pandemia. O restante dos profissionais não soube responder.


Com esses dados é possível ter uma ideia, ainda que superficial, da situação da classe médica, da saúde e do grande colapso que afeta a profissão no País e no mundo. Podemos observar, inclusive, que a saúde mental desses trabalhadores é amplamente impactada, uma vez que eles acompanham de perto a morte de colegas, amigos e pacientes, além da crise econômica no Brasil. A testagem mundial de profissionais da saúde tem apontado casos de depressão, estresse pós-traumático e ansiedade, com riscos de elevação nos índices de suicídio. 


Deveríamos estar em estado de alerta no que diz respeito a forma como tratamos os profissionais que salvam vidas. A dependência do serviço e a expectativa fazem com que muitos esqueçam que estamos colocando vidas em jogo para salvar outras. Além daqueles que morrem após terem sido contaminados, os que vivenciam essa rotina, sem qualquer preparo nem amparo psicológico, surtam e fazem, de forma inconsciente, um pedido de socorro aos olhos de todos.


Quem escolheu os colocar abaixo dos outros? Quem valida a importância da vida do profissional de saúde  a ponto de não haver preocupação com quantos adoecem mentalmente e com os que falecem ao cumprir seu dever profissional? Os diversos países que foram vítimas do vírus estão finalizando o seu período de isolamento social e, agora, preparando formas de lidar com os danos colaterais sofridos pela área da saúde. O Brasil seria capaz de fazer o mesmo? Talvez não. Em um País onde, por anos, a saúde foi negligenciada e mal investida, é difícil acreditar que durante uma pandemia os eixos se ajeitem o suficiente para lidar com as consequências sofridas por aqueles que estão na linha de frente.


Vídeos de agradecimento, palmas organizadas nas ruas, pelas janelas de casas e apartamentos não bastam. Mais do que nunca, o amparo especializado é essencial. Como entidade que luta para defender e preservar os direitos dos profissionais de saúde, a Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem) busca estar sempre ao lado daqueles que compõem a linha de frente: quando pacientes os acusam de forma injusta e premeditada; quando sofrem e são negligenciados por uma nação. Quanto mais se pressiona, mais rápido se quebra. Não podemos destruir aqueles de quem tanto necessitamos.


Hoje, qual é o suporte governamental dado aos profissionais da saúde? A maior parte deles sequer recebeu o Equipamento de Proteção Individual (EPI). Ainda de acordo com a pesquisa do NEB, apenas 32% afirmaram ter acesso ao material imprescindível para segurança dos médicos, enfermeiros e demais trabalhadores essenciais para o combate à Covid-19.


Cerca de 55% dos que atuam na saúde, na pesquisa do NEB, conhecem alguém que se contaminou ou foi diagnosticado. O Ministério da Saúde (MS) divulgou que aproximadamente 200 mil profissionais da área estão com suspeita de contágio pelo novo coronavírus. Destes, 33.733 são enfermeiros e 26.546 são médicos. Até o dia 25 de maio, 124 médicos morreram em decorrência do vírus, de acordo com memorial divulgado pelo Sindicato dos Médicos de São Paulo (SIMESP).


 Nós, que tememos pela vida, em razão de todo impacto negativo associado à doença e ao medo que ela nos traz, não temos a mínima ideia o quanto temem aqueles que encaram de frente um doente, uma morte, uma família enlutada pela perda de um ente querido. Temos que exigir das autoridades competentes atenção total às necessidades dessas pessoas, das quais somos dependentes, assim como suporte material e psicológico para saúde mental e emocional de cada um que se arrisca e resiste durante esta crise.


As decisões governamentais afetam diretamente quem atua na área. Recentemente, criou-se uma grande celeuma relacionada à liberação do uso da hidroxicloroquina e da cloroquina pelo MS. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 25 de maio, anunciou que iria interromper os estudos pertinentes a esses fármacos. Em 3 de junho, no entanto, decidiram pela retomada. O médico tem soberania clínica e, conforme seu livre convencimento científico, deve decidir se prescreve ou não esses medicamentos após o livre consentimento do paciente. Há que alertá-lo de que se trata de droga experimental, ou seja, sem consenso nas comunidades acadêmica, científica e clínica e que pode desencadear efeitos colaterais adversos.


Fato é que estamos, há seis meses, enfrentando uma doença que a humanidade não conhecia e que a maioria dos profissionais não se sente preparada para lidar com a pandemia, mesmo com anos de estudo, prática e experiência. Somente aquele que tem certeza da sua prática é capaz de realizá-la com plenitude.


 Isso existe em quaisquer meios de atuação. Mas nesse momento em que a saúde é prioritária, há profissionais dando a vida em prol de seus pacientes. É preciso darmos a estes, além do suporte necessário, a confiança e a certeza de que os apoiamos. Temos que afastá-los da depressão, da ansiedade e do estresse pós-traumático e, com isso, minimizar os efeitos maléficos dessa bárbara situação de excepcionalidade.


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