Concussão cerebral relacionada ao esporte na criança e no adolescente

Concussão cerebral relacionada ao esporte na criança e no adolescente

Por Dra. Roberta Rehder – A concussão cerebral relacionada ao esporte consiste em um trauma frequente e pouco valorizado na população pediátrica. Tal condição caracteriza-se como trauma cranioencefálico, associado à perda transitória do nível de consciência, amnésia ou alteração do estado mental após trauma direto ou indireto.1 Aproximadamente 475.000 casos de trauma craniano ocorrem em crianças entre 0 e 14 anos, representando mais de 90% dos casos atendidos na sala de emergência nesta faixa etária.2


De acordo com o consenso de Zurich 2017, concussão relacionada a esporte consiste no traumatismo de crânio induzido por forças biomecânicas.3 Várias características comuns podem ser usadas para definir a natureza da concussão cerebral, incluindo:


  • Ser causada por um trauma direto no crânio, face, pescoço ou outra parte do corpo com força impulsiva transmitida para cabeça
  • Resultar tipicamente em uma rápida alteração da função neurológica com resolução espontânea, embora, em alguns casos, os sinais e os sintomas possam persistir por minutos ou horas
  • Possibilidade de resultar em alterações neuropatológicas, porém os sintomas e os sinais clínicos refletem melhor a condição do que a lesão estrutural, que, vale ressaltar, nem sempre é identificada em exames de imagem
  • Resultar em uma variedade de sinais clínicos e sintomas que podem ou não envolver perda de consciência. A resolução das condições clínicas e cognitivas segue normalmente um curso sequencial, embora, em algumas situações, os sintomas possam se prolongar.

Crianças assintomáticas, vítimas de trauma craniano leve, e que recebem alta hospitalar são geralmente encaminhadas para seus pediatras conduzirem o caso. Esses médicos devem estar cientes que elas podem ter apresentado um quadro de concussão cerebral e, portanto, desenvolver sequelas relacionadas ao trauma.4


Epidemiologia


Embora a real incidência da concussão cerebral em pacientes pediátricos seja desconhecida, estima-se que um em cada 220 pacientes pediátricos no atendimento de emergência receba atendimento por concussão.5 A faixa etária de maior acometimento encontra-se entre 9 e 22 anos.


Sinais e sintomas


O dano cerebral, após a concussão relacionada ao esporte evoluiu após a fase aguda, com rápidas alterações de sinais e sintomas clínicos, os mais frequentes incluem: cefaleia, alteração comportamental e/ou cognitiva, perda de consciência, alteração neurológica e perda de equilíbrio. A maioria das lesões, contudo, ocorre sem perda da consciência ou sinais neurológicos francos. Nesses casos, é importante observar os sinais de alerta (Quadro 1).6



Diagnóstico


Até o momento não há um exame perfeito ou um marcador para utilizar no diagnóstico imediato da concussão. Em decorrência do processo de evolução da patologia, não é possível excluir concussão cerebral quando ocorrer um dano no cérebro associado com alteração transitória do estado neurológico.3


A história clínica é muito importante na avaliação dessas crianças. O diagnóstico de concussão aguda engloba a avaliação dos sintomas, sinais físicos, alteração cognitiva e comportamental e mudanças relacionadas ao padrão sono/vigília. A suspeita clínica deve ser considerada na presença de um ou mais dos seguintes indícios:


  • Sintomas: somáticos (p. ex., cefaleia), cognitivos (p. ex., atraso na reação) e/ou emocionais
  • Sinais físicos: perda da consciência, amnésia, e déficit neurológico
  • Alteração do equilíbrio
  • Mudança no comportamento (p. ex., irritabilidade)
  • Alteração sono/vigília (p. ex., sonolência)

A Escala Pediátrica de Concussão Cerebral Relacionada a Esporte (Child SCAT5) é a ferramenta mais apropriada para avaliar concussão em crianças entre 5 a 12 anos.6 Ela deve ser utilizada por um médico ou profissional de saúde licenciado. Em adolescentes com 13 anos ou mais, a Escala de Concussão Cerebral (SCAT5) deve ser utilizada.


A SCAT é útil imediatamente após a lesão para diferenciar concussão cerebral de outras lesões. No entanto, essa ferramenta perde significância se usada 3 a 5 dias após o trauma.3 A avaliação é baseada no reconhecimento do trauma, na análise de sintomas, função cognitiva e avaliação dos pares cranianos e exame de equilíbrio.


Uma vez que a concussão cerebral é um processo evolutivo, os sinais e os sintomas podem surgir tardiamente. Dessa forma, é importante afastar a criança ou o adolescente das atividades esportivas na suspeita de concussão.


Manejo pós-concussão


Na suspeita de concussão cerebral, a criança deve ser afastada do treino ou do jogo e ser avaliada por um médico ou profissional de saúde credenciado. As seguintes condutas devem ser consideradas:


  • Priorizar atenção particular na coluna cervical
  • Na ausência de profissionais de saúde, retirar o jogador do treino e submetê-lo à avaliação urgente de um médico
  • Após adoção dos primeiros socorros, avaliar o jogador conforme a idade utilizando a escala SCAT5 ou Child SCAT5
  • O jogador não deverá ficar sozinho após o trauma. Deve ser realizado monitoramento seriado diante do risco de deterioração nas primeiras horas
  • O jogador diagnosticado com concussão não deverá retornar ao jogo ou treino no dia do trauma.

A avaliação da função cognitiva é essencial. Os testes de memória e atenção devem ser práticos e efetivos, como o SCAT5. Perguntas padrões de orientação, como tempo e local, não são confiáveis no trauma esportivo.


Um conceito importante é que a avaliação da concussão deve ser rápida e efetiva. Crianças que apresentarem, no local, perda de consciência, postura tônica, falta de equilíbrio devem ser removidas imediatamente do jogo ou da atividade esportiva.


Sintomas pós-concussão


A síndrome pós-concussão pode ocorrer após um trauma leve, caracterizando-se por cefaleia, depressão, ansiedade, alteração comportamental, tontura, amnésia, irritabilidade, hiperatividade e dificuldade de sono.4 A incidência de sintomas pós-concussão encontra-se entre 6 e 59%.5 Embora muitos refiram melhora dentro de 1 semana, aproximadamente 10 a 20% dos pacientes mantêm os sintomas pós-concussão por meses e anos, sendo crianças e adolescentes mais acometidos.7


A síndrome do segundo impacto é a condição mais preocupante pós-trauma. Embora rara, costuma ocorrer quando o paciente sintomático do primeiro episódio apresenta uma segunda concussão, que o predispõe ao desenvolvimento de lesão axonal e edema cerebral difusos, herniação cerebral, coma e potencialmente morte.4


Diante do exposto, crianças não devem retornar às atividades esportivas de contato se ainda apresentarem sintomas de concussão leve-moderada após o trauma. Idealmente, devem esperar por uma semana, até se tornarem assintomáticas, antes de retornarem às atividades esportivas.4


Cefaleia persistente ou recorrente é um dos principais sintomas pós-concussão, seguida de alteração psicológica ou comportamental. Esses sintomas são a causa mais comum para que uma criança/adolescente falte às aulas e apresente comprometimento da qualidade de vida.8 Verifica-se que até um trauma craniano leve, repetido durante os anos de escola, tenha o potencial de causar distúrbios de aprendizado permanentes e problemas neuropsicológicos.


Revisão sistemática identificou natural progressão de concussão em relação à memória, à função motora e à avaliação visual-espacial.5 Crianças com sintomas pós-concussão demonstraram alterações em exames de imagem, como ressonância magnética funcional e de crânio com difusão.9,10


No presente momento, não há um método que prediz quais crianças terão sintomas prolongados. Desta forma, os médicos devem continuar recomendando o manejo conservador, seguido pelo retorno às atividades de forma gradual.1


A atividade física é considerada efetiva para manter a saúde física e cognitiva. Estudo prospectivo evidenciou que aproximadamente 70% das crianças e dos adolescentes que participaram de atividades físicas dentro de 7 dias após concussão cerebral aguda, com atividade aeróbica leve, tiveram redução de sintomas pós-concussão comparados àqueles que não se engajaram em atividade física.8


Estudos preliminares em adolescentes pós-concussão verificaram que participantes que se envolveram em atividades físicas moderadas apresentaram baixos sintomas e performance neurocognitiva superior quando comparados aos participantes que permaneceram em repouso.11,12 Portanto, assim que toleradas, as atividades físicas após concussão aguda devem ser retomadas de forma gradual, com exceção daquelas com potencial risco de nova concussão.11,12


Propõe-se que o exercício físico pode melhorar a recuperação por meio da promoção de mecanismos de neuroplasticidade e a partir de possíveis efeitos naqueles cardiorregulatórios, atuando possivelmente na melhora do fluxo sanguíneo cerebral.13


Médicos devem estar cientes sobre o potencial de problemas a longo prazo, como alterações cognitiva e comportamental, bem como depressão. No entanto, muito ainda precisa ser conhecido sobre a possível relação causa-efeito do trauma repetitivo e da concussão. O potencial risco de desenvolver encefalopatia crônica traumática deve ser considerado.


Conclusão


A concussão cerebral relacionada ao esporte consiste em uma patologia comum, porém pouco discutida na população pediátrica. A identificação precoce da condição clínica é essencial para afastar doenças intracranianas graves. O conhecimento sobre o assunto é primordial, uma vez que pode reduzir a incidência e a gravidade da concussão. Uma vez que ela pode causar sintomas que interferem na produtividade escolar e no relacionamento social e familiar, o manejo adequado de crianças e adolescentes por médicos e profissionais da saúde habilitados pode mudar o desfecho da patologia, reduzindo o risco de sintomas e complicações prolongadas.


Referências bibliográficas


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