Mais médicos! Quantos médicos?

Mais médicos! Quantos médicos?

Dr. Gonzalo Vecina – Estamos em um momento muito palpitante da vida nacional e entre tantos assuntos esse do número de médicos se apresenta. Afinal, faltam médicos ou os que atuam são suficientes, porém mal distribuídos pelo território nacional, por não haver nenhum apelo ou incentivo para se instalarem nos locais distantes do país?


Não é difícil compreender a lógica de que a falta de condições para a prática médica resulta na ausência de médicos. Contudo, a assistência à saúde é um dever do Estado.


Ficou célebre a pesquisa do sanitarista Carlos Gentile de Melo que correlacionou a presença de médicos nas cidades com a existência de agências bancárias. Onde não tinha agência bancária, não tinha médico!


Os médicos não iam às cidades sem agência bancária na década de 1970. Entretanto, naquela época, o SUS não existia, nem a constituição cidadã, que seria promulgada somente em 1988. E aí a questão colocada ganha outros contornos. Que modelo de atenção à saúde queremos implementar?


O modelo da integralidade da atenção com universalidade da cidadania, que funciona da seguinte maneira: os cidadãos acessam os serviços de saúde por meio de um centro que oferece um modelo de assistência chamado atenção primária à saúde (APS), que resolve a grande maioria dos problemas sanitários. Quando necessário, a equipe da atenção básica encaminha o paciente para o nível especializado e/ou hospitalar. Também existem fluxos e caminhos próprios para o atendimento de urgências e emergências.


Nesse modelo mundial de assistência em que equipes de múltiplos profissionais interagem para garantir a integralidade da atenção a todos os pacientes, estima-se haver 1 médico para cada 300 cidadãos. Essa é a média com algumas variações nos países europeus e no Canadá. E é importante lembrar que nesses países outros profissionais como enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, farmacêuticos, nutricionistas, assistentes sociais, entre outros, não atuam como assistentes médicos, mas têm papel relevante no processo de atenção e participam de acordo com suas capacitações. Esses países, diferentemente do Brasil, têm territórios menores, viabilizando maior abrangência da atenção à saúde da população. O Canadá tem algumas regiões inóspitas que exigem políticas específicas para a fixação de profissionais nessas regiões.


Quando o Programa Mais Médicos foi lançado em 2013, o Brasil tinha 1 médico para cada 600 habitantes, e com problemas graves de concentração nas grandes cidades. Muito se discutiu sobre como fazer os médicos irem para o interior do país, tendo em vista que não se pode obrigar alguém a ir aonde não quer. A solução para esse impasse é criar condições que incentivem o deslocamento. No entanto, o custo se torna um obstáculo intransponível.


Por exemplo, um médico da APS na periferia de Barcelona ganha 5 mil euros/mês, e o enfermeiro 3 mil/mês. Para atuar no sul da cidade de São Paulo, um médico pode ganhar até R$ 20 mil, enquanto o enfermeiro recebe até R$ 3,5 mil. O que está errado? Como isso pode ser corrigido?


A solução é formar mais médicos, o que ocasionou um boom de criação de novos cursos de Medicina. No entanto, somente em 2026 teremos 1 médico para cada 300 habitantes. E até lá o que fazer? O que outros países já fizeram, como Portugal – importar médicos de outros países. A estratégia deu certo lá e aqui, e hoje temos cerca de 60% da população brasileira coberta pela Estratégia Saúde da Família (ESF), com aproximadamente 30 mil médicos trabalhando (cerca de metade deles membros do Mais Médicos, não necessariamente cubanos).


Foi e é uma solução que conseguiu ter um impacto já demonstrado em publicações como Lancet e BMJ, tendo recebido também elogios dos organismos internacionais da área da saúde. Infelizmente, nos dois últimos anos a Emenda Constitucional n. 95, de 2016, que congela os gastos públicos para os próximos 20 anos, têm criado um desfinanciamento que gerou queda nos índices de cobertura vacinal e até um incremento de 5% em um coeficiente de mortalidade infantil que vinha caindo todos os anos desde 1990.


Ainda restam duas questões críticas. A primeira é: que tipo de médico iremos formar? Se o Ministério da Educação não atuar com firmeza e garantir condições melhores de educação, será um médico mal instruído, que dependerá da reciclagem nos serviços de saúde para conseguir realizar a atividade que se espera dele. Todavia, a situação é reversível. O que não é possível é cruzar os braços diante desse cenário.


A segunda questão é: como o novo médico, formado em 2026, será inserido no mercado de trabalho? Como ele será valorizado? Apesar de complexa, creio que existem pelo menos duas respostas para essa pergunta: ao construir uma sociedade mais civilizada e igualitária, a concentração de renda de alguns grupos será menor e teremos uma civilização semelhante à da península ibérica, e os médicos brasileiros receberão uma valorização adequada por seu trabalho. A outra resposta eu deixo para que os leitores que serão os construtores desse novo mundo proponham.


Por fim, esta é a visão de um sanitarista brasileiro que acredita que este país será capaz de construir um sistema de saúde que de fato contribua para termos uma sociedade mais justa!


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