Formação de Líderes para a Saúde Pública

Formação de Líderes para a Saúde Pública

Por Dr. Gonzalo Vecina Neto – O objetivo deste artigo é discutir o perfil do líder para a saúde pública, que pode atuar no setor público ou privado, pois a saúde sempre é pública, independentemente de qual o setor que a opera. Essa definição ampla de saúde tem sido ignorada, mas deve ser adotada, pois permite melhor visão dos problemas que o setor enfrenta com o desenvolvimento de um ambiente muito dinâmico, promovido pelas revoluções: demográfica (mundo mais urbano e mais velho), epidemiológica (morbi/mortalidade promovida por enfermidades crônicas), informacional (pessoas com mais acesso a informações) e tecnológica (com forte impacto em custos e gerando problemas de acesso).


Como a saúde é um bem público, os líderes que terão que enfrentar este novo e desafiador ambiente devem ter conhecimentos, habilidades e atitudes para fazer frente a esses desafios contemporâneos, independentemente do setor que atuem.


Com certeza, a atuação no setor público sempre será mais complexa devido à questão da formulação e execução de políticas (a governança na área pública é mais diluída uma vez que envolve muitos atores externos – legisladores) e principalmente devido às limitações existentes na administração pública para mobilizar recursos (licitações para comprar e concursos para contratar). Mas as exigências para ambos os setores podem ser consideradas comuns.


Pensar na figura do líder pode levar à descrição de um ser perfeito, mas isso inviabiliza pensar que ele pode ser formado. Proponho um conjunto bastante restrito de características que desenha este processo de formação. E é este assunto que pretendo tratar neste artigo.


São cinco as características:


  1. Analista de ambientes. Embora não se deva criar uma hierarquia dos atributos, este primeiro é o que me parece o mais importante. O líder deve ser um profissional capaz de entender o seu mundo. Deve estar continuamente construindo explicações para os fenômenos que ocorrem a sua volta e no seu espaço de atuação. Ele deve ser um analista de cenários, capaz de explicar não só o presente – graças ao seu domínio sobre o que ocorreu – mas também deve ser capaz de imaginar consequências futuras. Ele precisa perceber a complexidade do momento e mesclar humildade por não conseguir ter uma visão total da realidade, buscando cooperação e ousadia para desenvolver cenários alternativos. O líder deve ser sempre capaz de saber onde está e, por meio do conhecimento, decifrar as ambiguidades de seu momento, entender o jogo do poder e da política, ter uma visão de mundo que lhe permite conectar fatos e medir consequências.
  2. Habilidades socioemocionais. Esta é a mais clássica das características do líder. Deve valorizar a criatividade e a inovação, o que implica em aceitar correr riscos que devem ser calculados. Deve ter claro que novos cenários irão exigir novas soluções. Buscar e valorizar a criatividade são pontos críticos para o líder moderno. Por outro lado, ele deve ser capaz de galvanizar as pessoas com a sua visão. Às vezes, o que ele verá como futuro desejável pode parecer impossível, mas ele deve levar esta visão para os seus liderados. Com grande frequência, a força conjunta de uma visão é que levará a sua realização. Neste momento, gerir conflitos, negociar e entender a natureza humana serão fundamentais.
  3. Gestão de pessoas. Esta é uma característica que não deve ser confundida com a anterior. As organizações estão ficando cada vez mais complexas e exigem um corpo de profissionais diversificado. É preciso entender como as pessoas se sentem e conseguir dialogar com as suas necessidades, entender a importância da construção de equipes, ter presença na organização que seja sentida pelos que nela trabalham e envolver-se com as questões que movem as pessoas a agir no ambiente de trabalho. Propiciar um ambiente em que as pessoas se sintam engajadas e procurem cooperar para a construção de uma organização melhor é uma atividade do cotidiano do líder. A grande diferença da característica anterior é justamente esta: gerir pessoas é uma atividade contínua que o líder deve praticar.
  4. Habilidades próprias da microgestão. Se conhecer o seu ambiente é a característica mais importante, esta talvez seja a menos importante. No entanto, deve fazer parte do perfil do líder e, portanto, ser construída também ao formá-lo. O líder deve ter conhecimento de diferentes ferramentas de gestão. Questões tão diversas como conhecimentos da área de finanças, logística, informática e “novas modas” de gestão. Tudo isso é utilizado para que as organizações construam seus resultados. Obviamente, o líder não deve dominar essas ferramentas, mas conhecê-las para poder dialogar com os especialistas e também para buscá-las para resolver problemas da organização.
  5. Compromisso social. Esta é uma característica sine qua non, ou seja, indispensável. A ideia é que as organizações existem e, em particular, na área da saúde para construir o bem-estar social. Se essa é a função das organizações, o líder tem que ter compromisso social para conseguir fazer com que a organização que dirige seja um vetor desse objetivo. Aqui, o instrumento que deve ser usado para construir esta habilidade está relacionado ao conhecimento de sua realidade. Tal conhecimento promoverá a construção do compromisso. Conhecer a realidade e buscar através da ação organizacional transformá-la para melhorar o mundo certamente faz parte do processo de formação de líderes.

As cinco características alinhadas não são inatas. Existem pessoas que são líderes natos, mas está demonstrado que é possível formar líderes. Cada uma das características tem um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes a serem desenvolvidas por meio de estratégias educacionais próprias. Assim, tão importante como saber o que ensinar, deverá ser “como” ensinar. Portanto, é preciso utilizar metodologias que construam o conhecimento por meio da própria capacidade do aluno. Isso deve ser uma regra a ser seguida. As chamadas metodologias ativas de aprendizagem são o caminho moderno para construir novas pessoas que conseguem continuar gerando conhecimento, pois aprendem a fazê-lo.


Finalmente, quando se foca na formação de líderes, existe um grande número de qualidades que se discutem se não deveriam estar presentes nesse processo. Às vezes são questões muito positivas como, por exemplo, se ele deve ser ético, bom e ter senso de justiça, ou questões como vaidade, fome de poder etc. Acredito que essas questões estão, de certa forma, contidas nas cinco características listadas, sendo importante pensar que os líderes são necessários, mas não são super-homens.


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