Epidemiologia é muito útil

Epidemiologia é muito útil

Paciente de 42 anos, negro, garçom, natural de Minas Gerais, mas mora no Rio de Janeiro há aproximadamente 15 anos.


QP: “anemia”


HDA: paciente informa astenia progressiva nos últimos 6 meses. Relata também dificuldade para subir lances de escada e desempenhar suas atividades no trabalho. Já procurou assistência médica e foi medicado com suplementos de ferro. Refere que não houve melhora do quadro. Há algumas semanas, começou a apresentar episódios de tontura e “sensação de desmaio”. Aumentou a ingestão de café nos últimos meses em virtude da melhora transitória da “fraqueza”.


HPP: varicela aos 22 anos. Bronquite na infância. Apendicectomia aos 30 anos. Nega alergia a medicamentos.


H.social: nega tabagismo. Etilista social. Nega uso de substâncias psicoativas. Mora em comunidade e refere dificuldade em subir as escadarias de acesso a sua moradia.


Ao exame físico, o paciente está emagrecido e apresenta palidez mucosa (++/4+), mas está anictérico, acianótico, eupneico. Pele ressecada.


T.Ax = 36,6oC; FR = 18 irpm; PA = 100 × 60 mm Hg. FC = 40 bpm.


Pulmões limpos. RC irregular 2T (6 extrassístoles/min). Ictus cordis difuso e desviado para a esquerda. Abdome sem alterações, exceto pela cicatriz em FID. MMII sem edema. Pés com micose interdigital. Tireoide sem alterações.


Minha primeira impressão diagnóstica foi insuficiência cardíaca associada a arritmias de provável etiologia chagásica. Você concorda?


Solicitei hemograma completo, bioquímica, radiografia de tórax e eletrocardiograma (ECG).


Felizmente, no nosso ambulatório, é possível realizar a radiografia (PA e perfil) e o ECG na hora.


Na radiografia de tórax havia cardiomegalia total e discreta congestão pulmonar. O ECG mostrou bloqueio de ramo direito (BRD), hemibloqueio anterior esquerdo (HBAE) e alterações difusas da repolarização ventricular.


Não existem manifestações clínicas, semiológicas ou alterações em exames complementares patognomônicas da cardiopatia chagásica. No entanto, o achado de BRD e HBAE, associado ao fato de o paciente ser de região endêmica, fala muito a favor do diagnóstico de doença de Chagas (DC).


Vale lembrar que a cardiopatia chagásica é quase sempre progressiva e o prognóstico costuma ser inversamente a idade do paciente – ou seja, é mais grave em crianças.


Solicitei ecocardiograma e encaminhei o paciente para hospital terciário para avaliação de implante de marca-passo.


Base racional dessa solicitação:


As bradiarritmias da cardiopatia chagásica crônica (CCC) podem ser consequência de disfunção sinusal ou de bloqueio atrioventricular (BAV). A doença lesiona todo o sistema excitocondutor do coração, sendo mais evidente no nó SA e no sistema His-Purkinje, com infiltrado inflamatório, substituição do tecido normal por fibrose e, possivelmente, desnervação autônoma causada por substâncias liberadas a partir da interação com parasitos vivos ou mortos. Os bloqueios intraventriculares também são frequentes na CCC, em especial o BRD associado a HBAE. Vários estudos observacionais sugerem benefício dos marca-passos cardíacos na CCC; em algumas regiões da América Latina, onde a DC é endêmica, trata-se da etiologia mais frequente para indicações de implante desses dispositivos. As indicações de marca-passos cardíacos na CCC estão inseridas nas Diretrizes Brasileiras de Dispositivos Cardíacos Eletrônicos Implantáveis.

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