Obesidade, Saúde e Atividade Física na Faixa Etária Pediátrica

Obesidade, Saúde e Atividade Física na Faixa Etária Pediátrica

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define obesidade como o acúmulo de tecido adiposo em magnitude suficiente para causar prejuízo à saúde. Entre 1980 e 2014,[6] as taxas de incidência/prevalência de obesidade mais que dobraram, e isso tem sido enfrentado como um problema de saúde pública, por manifestar-se de forma epidêmica em todas as faixas etárias.[1-3] Ocorre como consequência de balanço energético positivo, acarretando piora importante não só na qualidade como na quantidade de vida.[3-5] Esse quadro epidêmico parece resultar de mudanças no estilo de vida mundial ao longo das últimas décadas, que afetaram hábitos alimentares, lazer ou níveis de atividade física, e envolve uma complexa interação entre fatores genéticos, ambientais e culturais.[4-6] O problema ocorre principalmente em países desenvolvidos, mas já acomete países em desenvolvimento de forma crescente.[3,4,6-8] Estima-se que, em países emergentes, ocorrerão os maiores incrementos na prevalência da obesidade neste século. As implicações dessa situação para a saúde das populações são desastrosas, associando-se a enormes custos econômicos e sociais.[1,6,7,9]


No Brasil, o aumento no número de indivíduos com excesso de peso é considerado alarmante, em especial quando se trata de crianças. A preocupação com o aumento da obesidade na infância e adolescência relaciona-se, dentre outros aspectos, à precocidade com que podem surgir efeitos negativos à saúde em geral.[2,10,11] Além disso, é bem reconhecido na literatura que os problemas acarretados pela obesidade infantil tendem a persistir ou agravar-se na idade adulta.[12-15]


A obesidade, particularmente a visceral, está associada com resistência insulínica, hiperglicemia, dislipidemia, hipertensão arterial e estado pró-trombótico e pró-inflamatório.[7,9,12] O tecido adiposo é uma estrutura dinâmica, envolvido em processos fisiológicos e metabólicos diversos. Produz e libera uma grande variedade de substâncias biologicamente ativas, conhecidas pelo nome de adipocinas, como a leptina, adiponectina e resistina, dentre outras. Essas substâncias atuam exercendo efeitos endócrinos, parácrinos e autócrinos, sendo responsáveis pela modulação de parâmetros metabólicos importantes, como o controle da ingestão alimentar, o balanço energético e a sensibilidade periférica à insulina. A secreção alterada de adipocinas pode ter efeitos metabólicos complexos, relacionando-se com o processo fisiopatológico da obesidade, disfunção endotelial, inflamação, aterosclerose e diabetes mellitus. [16]


Há evidências que relacionam a prevalência de obesidade infantojuvenil com níveis reduzidos de atividade física diária, confirmando essa variável como fator de risco importante para o excesso de peso nessa faixa etária, independentemente do estrato socioeconômico.[17-19] A prática de atividades físicas em todas as faixas etárias é influenciada por fatores genéticos, psicológicos, sociais, ambientais, políticos e econômicos.[20] Além disso, até bem pouco tempo, crianças tinham um modo de vida repleto de atividades físicas, sob a forma de brincadeiras infantis, que envolviam movimento, correria e agitação.


Atualmente, a carência de segurança e espaços públicos adequados à prática de atividades físicas, aliada à falta de tempo dos pais e a dificuldades de transporte nos grandes centros urbanos, é um fator que favorece maior permanência dos jovens no interior de suas residências, aumentando o tempo despendido em atividades com pouco movimento, como jogos eletrônicos, computadores ou televisão.[9,11,19,21] Evidentemente, isso contribui com o balanço calórico desfavorável, uma das causas do progressivo aumento de massa corporal.[11,19]


Atividade física é um comportamento definido como qualquer movimento produzido pelos músculos esqueléticos que resulte em substancial aumento de gasto energético para além dos níveis de repouso. Aptidão cardiorrespiratória, por sua vez, é uma condição fisiológica definida pela capacidade dos sistemas cardiovascular, respiratório e muscular em captar e consumir oxigênio durante a realização de atividade física prolongada.[22,23] Para a maioria dos indivíduos, o aumento da atividade física produz melhora da aptidão física e altos níveis de ambas estão relacionados com menores índices de morbidades e mortalidade por causas diversas.[23-25] A capacidade de alcançar bons níveis de aptidão cardiorrespiratória pode ser potencialmente redutora de alguns efeitos deletérios do excesso de peso sobre a saúde. Os estudos, de forma geral, vêm encontrando resultados favoráveis nesse sentido, independentemente do impacto das atividades físicas na massa corporal. Esse é o caso de fatores como perfil lipídico sanguíneo, balanço autonômico ou marcadores inflamatórios.[13]


O conceito de fat but fit sugere que um alto nível de aptidão cardiorrespiratória possa atenuar ou eliminar o risco associado a doenças metabólicas e cardiovasculares independentemente do IMC, mesmo entre indivíduos obesos.[25,26] Alguns estudos têm demonstrado que, dentro das categorias de peso, a aptidão cardiorrespiratória é capaz de atenuar o risco de doenças, mesmo considerando que indivíduos com alto grau de obesidade apresentam sua capacidade de performance reduzida.[23,26]


Além disso, há a preocupação com a carência de programas concebidos para favorecer a adesão de crianças e adolescentes.[13,27] As rotinas, em geral, revelam-se individualizadas e monótonas, consistindo em exercícios excessivamente sistematizados e localizados, como é o caso de treinamentos aeróbio e resistido, sendo na prática pouco motivadoras para esse grupo etário. De fato, estima-se que cerca de 50% das crianças e adolescentes que iniciam um programa de atividades físicas interrompem-no nos primeiros 6 meses, o que evidentemente compromete efeitos continuados.[28] Por outro lado, atividades desportivas ou recreativas teriam maior potencial de aceitação por parte dessa faixa etária.


Portanto, diante do cenário da crescente prevalência de excesso de peso e inatividade física e de suas consequências para a saúde, mudanças no estilo de vida centradas em prática regular de atividade física e alimentação saudável destacam-se dentre as estratégias não medicamentosas advogadas com o objetivo de minimizar ou reduzir os fatores de risco para diversas doenças. Medidas de prevenção, esclarecimento e combate devem ser implantadas tanto no plano individual quanto no coletivo, e esses hábitos devem ser estimulados e apoiados ainda na faixa etária pediátrica.[1,9-11,18,19]


Referências bibliográficas


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Colaborou Dra. Elisabeth de Amorim Machado, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Fisiopatologia Clínica e Experimental – FISCLINEX (Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro)


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