Racional do Uso de Antibióticos no Tratamento da Endocardite Infecciosa
- 12 de set de 2016
Antes da descoberta dos antimicrobianos, a endocardite infecciosa era uma doença invariavelmente fatal. Embora aproximadamente 80% dos pacientes com endocardite sobrevivam com tratamento adequado, 1 em cada 6 pacientes não sobrevive à hospitalização inicial, e cerca de 1/3 dos pacientes infectados com microrganismos altamente patogênicos, como Staphylococcus aureus, evoluem para óbito apesar da antibioticoterapia adequada.
O tratamento da endocardite infecciosa está baseado no uso de antimicrobianos por longos períodos com o objetivo de erradicar os microrganismos presentes na vegetação. Mesmo na presença de bactérias sensíveis in vitro, a completa resolução da infecção pode demorar semanas, e a recidiva não é incomum. A presença de grande quantidade de microrganismos na vegetação e o fato de ela ser um ambiente de difícil acesso às células fagocitárias [1], permitindo que as colônias bacterianas se multipliquem livremente na rede de fibrina, poderiam explicar os dados observados.
Por isso, alguns princípios, listados a seguir, devem sempre ser considerados para se obter a máxima eficácia no tratamento da endocardite.
- Identificar o agente etiológico. A coleta de sangue para culturas (três pares – aeróbio e anaeróbio – obtidos por punções venosas diferentes a intervalos mínimos de 20 minutos) antes do início da antibioticoterapia é fundamental. Em cerca de 90% dos casos de endocardite, as hemoculturas são positivas [2].
- Optar pelo uso de antimicrobianos administrados em doses adequadas e intervalos suficientes para garantir concentrações séricas bactericidas em todo o período de tratamento [3]. Determinar concentração inibitória mínima e monitorar nível sérico do antimicrobiano, quando disponível. Não existem estudos conclusivos sobre maior eficácia do uso de infusão contínua de antibióticos.
- 3. Iniciar o tratamento antimicrobiano empiricamente nos casos agudos de endocardite comunitária e nas endocardites em prótese valvar, baseando-se nos dados epidemiológicos do paciente e/ou do hospital para escolha dos antibióticos. Após o resultado das hemoculturas, habitualmente após 48 a 72 horas, faz-se o ajuste necessário.
- Em geral, usar sempre antimicrobianos por via parenteral durante todo o tratamento. Existem relatos de poucos casos em que o tratamento sequencial por via oral foi eficaz, em situações muito específicas. Foi realizado um estudo prospectivo randomizado de endocardite do lado direito do coração em usuários de drogas ilícitas, no qual a antibioticoterapia por via venosa durante todo o tratamento (três falhas em 25 pacientes) foi tão eficaz quanto o tratamento por via venosa durante 5 dias seguido pelo uso de ciprofloxacino associado a rifampicina por via oral para completar os 30 dias (uma falha em 19 casos) [4].
- A duração do tratamento deve ser suficiente para erradicar os microrganismos viáveis dentro das vegetações valvares. De modo geral, as endocardites por estreptococos são tratadas durante 4 semanas; por estafilococos e bactérias gram-negativas, durante 6 semanas; e os casos de endocardite por fungos, durante, pelo menos, 6 a 8 semanas. Recomenda-se a coleta de hemoculturas 3 a 5 dias após o início da antibioticoterapia para avaliar a resposta microbiológica inicial e 48 a 72 horas após o término do tratamento para verificar a eficácia final do tratamento.
- Manter internação hospitalar para antibioticoterapia é a conduta mais frequente. Devido aos riscos de complicações da endocardite (fenômenos embólicos, arritmias cardíacas), ao risco de infecção do cateter vascular (geralmente cateter central) e ao risco de reações adversas dos antimicrobianos (alergia cutânea, toxicidade renal, hepática e/ou medular), a maioria dos pacientes permanece internada durante todo o tratamento. Alguns pacientes podem ser selecionados para tratamento domiciliar, mas esses casos são exceções no nosso meio.
Em resumo, a escolha adequada do antimicrobiano de acordo com o agente etiológico isolado na hemocultura, administrado precocemente, por via parenteral, em doses adequadas e por tempo prolongado, permite obter os melhores resultados no tratamento da endocardite infecciosa.
Lembre-se:
O tratamento da endocardite infecciosa está baseado no uso de antimicrobianos em doses adequadas, por via parenteral e intervalos suficientes para garantir concentrações séricas bactericidas em todo o período de tratamento a fim de erradicar o microrganismo presente na vegetação.
Referências bibliográficas
- Durack DT, Beeson PB. Experimental bacterial endocarditis. II. Survival of bacteria in endocardial vegetations. Br J Exp Pathol. 1972; 53:50-3.
- Fowler VG, Schelo WM, Bayer A. Endocarditis and intravascular infections. In: Mandell G, Bennet J, Dolin R. Principles and practices of infectious diseases. 6. ed. Philadelphia: Elsevier; 2005.
- Baddour LM, Wilson WR, Bayer AS et al. Infective endocarditis: diagnosis, antimicrobial therapy, and management of complications: a statement for healthcare professionals from the Committee on Rheumatic Fever, Endocarditis, and Kawasaki Disease, Council on Cardiovascular Disease in the Young, and the Councils on Clinical Cardiology, Stroke, and Cardiovascular Surgery and Anesthesia, American Heart Association – executive summary: endorsed by the Infectious Diseases Society of America. Circulation. 2005; 111:3167-84.
- Heldman AW, Hartert TV, Ray SC et al. Oral antibiotic treatment of right-sided staphylococcal endocarditis in injection drug users: prospective randomized comparison with parenteral therapy. Am J Med. 1996; 101:68-76.
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