Rastreando a COVID-19
- 6 de mai de 2020
Conta uma lenda antiga, muito conhecida, que o inventor do jogo de xadrez levou seu invento ao rei, como presente. O rei gostou tanto do jogo que prometeu recompensar o inventor com o que ele quisesse. E o pedido pareceu simples: grãos de arroz. Quantos grãos? O rei deveria mandar colocar um grão de arroz na primeira casa do tabuleiro; dois, na segunda; quatro, na terceira e assim sucessivamente, sempre duplicando em cada casa a quantidade de grãos colocada na casa anterior, até completar a última casa (o tabuleiro de xadrez tem 64). É difícil de acreditar, mas faça as contas para ver: na 64ª casa o número de grãos de arroz excedia a produção mundial. Este é um exemplo clássico para mostrar que o crescimento exponencial é vertiginoso.
As epidemias crescem, pelo menos no princípio, exponencialmente porque o número de casos novos em determinado dia é proporcional ao número de casos existentes no dia anterior. A ideia de que podemos simplesmente deixar que uma epidemia avance até que se esgotem os susceptíveis é tão equivocada quanto a do rei da velha lenda, que não entendia estar assumindo uma dívida impagável. Mas como desacelerar a taxa de crescimento da COVID-19? Há várias tentativas para desenvolver uma vacina, mas isso leva muito tempo e não deve acontecer neste ano. Há ensaios clínicos em vários países colocando em teste diversos tratamentos, mas nenhum deles chegou sequer à fase III. Então, para diminuir a velocidade de crescimento da curva exponencial, a solução é o isolamento social.
Mas é amedrontador – quando estamos na fase exponencial da curva epidemiológica, que é o caso do Brasil – não saber até onde essa exponencial vai crescer. Vamos ter 10 vezes mais casos do que temos hoje? 100 vezes mais? 1.000 vezes mais? Sabemos que a tendência exponencial não durará para sempre, mas até quando ela irá perdurar? Como estaremos nós, como país, daqui a 30 dias?
O físico e matemático Henry Reich e o engenheiro Aatish Bhatia propuseram, em um estudo com base em dados mundiais fornecidos pela Universidade Johns Hopkins, um gráfico em vídeo com animação, que tenta responder a pergunta: em quanto tempo a COVID-19 atingirá o pico?
A resposta à essa pergunta angustiante não foi obtida. No entanto, o gráfico mostra que, embora a exponencial cresça em diversos países com diferentes taxas, todos seguem a mesma trajetória até a taxa cair, em algum ponto. Logo, se um país tem alguns poucos casos da doença, não aposte que está imune à epidemia. A epidemia seguirá seu curso, até o país encontrar a saída.
Mas veja o gráfico, que se fundamenta em três ideias. A primeira é usar escala logarítmica nos dois eixos; então, os números crescem em múltiplos de 10. Isso facilita colocar, no mesmo gráfico, números muito diferentes de casos. Mas cabe aqui uma advertência a quem lê o gráfico: cuidado, porque na escala logarítmica 10.000 ficam tão perto de 1.000 quanto 100 ficam perto de 10. Então, não subestime o crescimento vertiginoso. A segunda ideia, que não se vê em grande parte dos gráficos, é não colocar o tempo no eixo X. O tempo é usado como animação. E a terceira ideia é plotar o logaritmo do número de casos novos contra o logaritmo do número de casos existentes.
Colocando as variáveis transformadas no gráfico, isto é, o logaritmo do número de casos novos contra o logaritmo do número de casos existentes, observa-se, para todos os países, a mesma trajetória de crescimento em reta. As taxas de crescimento são constantes e muito similares, até que o crescimento do número de casos no tempo (nos gráficos usuais, mais conhecidos) deixa de ser exponencial. O uso de escalas logarítmicas não ajuda a intuição, mas é fácil concordar que, a medida que o número de casos cresce, a taxa de incidência de novos casos aumenta, mais ou menos, na mesma proporção em todos os países. É importante observar os países em que a reta praticamente “desaba” – esse fato só pode ser explicado por políticas de saúde eficazes, ou seja, isolamento social ou confinamento e testes em massa.
Mas a maior limitação do gráfico são os próprios dados, obtidos de relatos provenientes de diferentes sistemas de saúde, todos sobrecarregados. A qualidade das informações é variável, porque países diferentes têm diferenças dramáticas na capacidade de testar a população para a doença e atestar óbitos. No Brasil, foram feitos poucos testes. Logo, o número de casos existentes da COVID-19 está subestimado, isto é, o número de casos existentes é muito maior do que o valor declarado, que se desconhece. O número de óbitos também está subestimado
Veja os gráficos, que não podem ser expostos aqui porque precisam da animação no link a seguir: https://aatishb.com/covidtrends/