Aliança terapêutica, decisão compartilhada e parceria na cura

Aliança terapêutica, decisão compartilhada e parceria na cura

Por Dr. Celmo Celeno Porto – Decisão compartilhada, aliança terapêutica e parceria na cura são expressões que surgiram na literatura médica para expressar uma maneira diferente de exercer a medicina e de cuidar de pacientes. Elas fazem contraposição ao tradicional autoritarismo do médico como herdeiro do modelo hipocrático.


Muitos médicos sentem-se revestidos de tal autoridade, acham que podem obrigar os pacientes a fazer o que pensam ser o certo, restando a eles apenas obedecer. Se não o fizerem, problema deles, dizem. Não é bem assim!


Como o índice de abandono das prescrições médicas é muito elevado, alguma coisa está errada. Tentativas têm sido feitas para compreender e reduzir tão elevados índices de não adesão, rotuladas como “causas de abandono do tratamento”, que é a maneira de transferir para o paciente a responsabilidade pelo fracasso de um tratamento.


Em posição defensiva, os médicos costumam dizer: “Fiz o melhor que pude!” O melhor que “pude”, quase sempre se resume em prescrever o tratamento que ele viu em alguma diretriz ou consenso e acrescentar algumas, quase sempre rápidas, informações. Mal sabem que inúmeros fatores, tanto de adesão quanto de abandono, não são contemplados nestes documentos. Exemplos: como tomar uma decisão terapêutica em conformidade com os recursos financeiros de que o paciente dispõe? Que significa para o paciente alterar seu padrão alimentar ou quanto vai gastar para adquirir os medicamentos? Como conciliar a proposta terapêutica com as características culturais do paciente? Que influência terá sua escolaridade ou a casa onde reside nas recomendações sobre repouso? Como aproveitar os remédios que o paciente já tem em casa?


À medida que eu ia aprendendo a ver o lado humano da medicina, ia modificando a maneira de me relacionar com os pacientes. Por exemplo, passei a solicitar que trouxessem todos os medicamentos que tinham em casa, tanto os receitados por médicos como os comprados por conta própria. Verifiquei que era um modo de ajudá-los. Deixou de ser surpresa para mim encontrar os mesmos medicamentos que eu pretendia prescrever – anti-hipertensivos, diuréticos, anti-inflamatórios, entre outros – na sacola de “remédios” que o paciente despejava em minha escrivaninha. Muitos tinham dificuldade de entender e demonstravam espanto, perguntando: “Por que o senhor quer ver os remédios?”


Aliança terapêutica, decisão compartilhada e parceria na cura, seja qual for o nome que se dê, incluem coisas aparentemente muito simples, mas que podem ser decisivas para a adesão ao tratamento. Eu ia direto ao ponto quando dizia ao paciente: “O(a) senhor(a) está jogando dinheiro fora!” Agia assim porque estava convencido de que uma das mais fortes motivações na vida moderna é a financeira. Isso vale para todas as pessoas. Os pacientes não são exceção. A partir daquele momento ficavam mais atentos, faziam perguntas, enfim, tornavam-se parceiros na cura.


Com relação a modificações de hábitos alimentares, o essencial é saber do próprio paciente o que ele costuma comer, quais alimentos ele pode adquirir com os recursos de que dispõe e no local onde reside. Certa ocasião uma paciente hipertensa, diabética e dislipidêmica mostrou-me uma tabela de alimentos, cientificamente perfeita, é verdade, mas totalmente impossível de ser seguida por ela. Aliás, eu também não compreendi muito bem a tabela, tal sua complexidade! Para dizer a verdade, alguns alimentos que dela constavam eu nem conhecia!


O esquema terapêutico que terá mais adesão pode não ser aquele que o médico considera o melhor para o paciente. “Melhor” poderia ser em relação a diretrizes e consensos. Contudo, “melhor” para o paciente é o que teria maior probabilidade de ser seguido.


Um aspecto precisa ficar claro: uma “parceria para a cura” não se estabelece em 10 ou 15 min. O primeiro encontro clínico, mesmo de curta duração, é apenas o início de uma parceria, mas pode ser suficiente. Já nos pacientes com doenças crônicas, outros encontros, por certo, serão necessários. À medida que vão acontecendo, e se o médico souber ver o paciente como pessoa, a confiança cresce e se fortalece, laços vão se formando, e, ao final de certo tempo, será estabelecida uma aliança terapêutica. A competência científica do médico não é uma garantia; é apenas um componente.


Parece fácil e óbvio, mas não é. A primeira barreira a vencer é o apego do médico ao autoritarismo, herança da medicina hipocrática que eliminou os demônios e a magia, mas reforçou o princípio da autoridade sobre o paciente. Transformá-la em atitudes de compartilhar exige humildade se quisermos abandonar princípios tão profundamente arraigados. Aqueles que já começaram a trilhar estes caminhos não têm dúvida de que vale a pena, pois eles levam a uma “nova medicina”, que é, aliás, título de um livro muito interessante, publicado em 1996, por James Gordon: Manifesto for a New Medicine. Afinal, a “nova medicina” nada mais é do que a medicina humanizada; a medicina que todos desejamos praticar e receber.


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