Demência: Podemos Prevenir?

Demência: Podemos Prevenir?

Introdução


Em todo o mundo, aproximadamente 35,6 milhões de pessoas vivem com demência, sendo esperado que esse número dobre em 2030 (65,7 milhões) e, em 2050, atinja mais do triplo (115,4 milhões), de acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) [1].


Os dados demográficos e populacionais em todo o mundo indicam que o envelhecimento populacional tem como consequência o aumento do número de pessoas afetadas pela demência. É projetado que, em 2030, um em cada cinco americanos terá idade igual ou superior a 65 anos, alcançando em todo o mundo 1,3 bilhão até 2040. Nesse cenário, o transtorno cognitivo e os quadros demenciais representam uma das condições mais temidas [1;2], dobrando, a cada 5 anos, depois de 60 anos.


Nos EUA, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, somente a doença de Alzheimer (DA) foi considerada, em 2007, a sexta causa de óbito em todas as idades [4]. No Brasil, as estatísticas não são exatas, mas estima-se que tenha ocorrido aproximadamente 1,25 milhão de casos de demência em 2010.


O tratamento e os cuidados dispensados a pessoas com demência consomem atualmente mais de 604 bilhões de dólares por ano em todo o mundo, incluindo custos sociais e com a saúde, bem como perda de renda das pessoas afetadas pela doença e de seus cuidadores [1]. Essa importância corresponde a 1% do produto interno bruto (PIB) mundial.


Os gastos envolvendo o tratamento e os cuidados necessários com os portadores de demência consomem mais de 600 bilhões de dólares em todo o mundo, correspondendo a 1% do PIB mundial. Os relatórios da OMS referem a demência – chamada nos anos 1980 de epidemia silenciosa – como uma prioridade de saúde pública, e recomendam programas voltados de forma incisiva ao diagnóstico precoce e a campanhas de conscientização pública, proporcionando melhor cuidado e maior assistência aos cuidadores [1].


Os transtornos iniciais são imputados ao processo de envelhecimento, e sintomas como déficits cognitivos são negligenciados na avaliação da função cognitiva através de exames que devem fazer parte do arsenal de rotina de todos os médicos que tratam de pacientes idosos, especialistas ou não. Ainda são encontrados preconceitos relacionados com a DA tanto de familiares como dos próprios pacientes, que tentam minimizar os sintomas, perdendo a janela de oportunidade para a instituição de um tratamento precoce que poderá alentecer o curso da doença.


Demência


A demência é uma síndrome crônica de natureza progressiva, na qual há comprometimento de múltiplas funções corticais, o que pode afetar a memória, o pensamento, a orientação, a compreensão, o cálculo, a capacidade de aprendizado, a linguagem e o julgamento, sem comprometimento da consciência. Além disso, podem ocorrer alterações psicológicas, de comportamento e de personalidade. Para o diagnóstico, é essencial que os déficits causem significativo prejuízo na realização das atividades profissionais, ocupacionais e sociais do indivíduo [1;2;4].


Até o momento, os fatores de risco não modificáveis para demência são: idade; sexo feminino a partir dos 80 anos; síndrome de Down; história familiar positiva para o genótipo da apoliproteína E4 (APOE4) [2].


Dentre os fatores protetores estão: sexo masculino; nível educacional elevado; vida ativa com estimulação cognitiva constante; engajamento em atividades sociais e de lazer; suporte e redes sociais disponíveis; atividade física regular; dieta rica em antioxidantes e vitaminas (E, C, B6, B12 e folato); ausência de traumas cranianos; presença do alelo E2; níveis baixos de colesterol; consumo moderado de álcool (vinho tinto); uso de certos medicamentos como estatinas e anti-hipertensivos, por exemplo. O Honolulu Asia Aging Study [7] sugeriu que o controle precoce da hipertensão arterial na meia-idade reduziria o risco de comprometimento cognitivo leve. Os fatores de risco cardiovascular, como hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, obesidade e fumo encontram-se implicados tanto na demência por DA como na doença cerebrovascular [4-8].


Por que a demência ocorre em algumas pessoas e não em outras? A injúria cerebrovascular subclínica aumenta o risco de acidente vascular cerebral (AVC) e é um preditor de dano cognitivo vascular [8-10]. Como minimizar as chances de, no futuro, estar frente a frente com a demência? Nos últimos anos, muitos estudos longitudinais têm definido melhor os fatores de risco para os diversos tipos de demência [6,7]. Além dos fatores de risco não modificáveis, citados anteriormente, os fatores de risco vasculares têm sido ligados à incidência de todas as demências, incluindo DA e demência vascular isoladamente [6-10].


Fatores de risco para declínio cognitivo e demência


Hipertensão, diabetes melito (DM), tabagismo, sedentarismo, baixa escolaridade, depressão e obesidade são fatores que têm sido associados à demência e à injúria cerebral, e podem, desta forma, aumentar o impacto na incidência de déficit cognitivo e sobre o acidente vascular cerebral. Um estudo com 11.151 participantes com base em uma coorte da população do Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) [11] avaliou a associação entre fatores de risco cardiovascular, em idade entre 46 e 70 anos, e o risco de hospitalização devido à demência, e determinou se essa associação era modificada conforme a idade e a etnia. Nesse estudo prospectivo, fumo, hipertensão e DM estavam fortemente associados ao risco subsequente de hospitalização por demência nessa faixa etária. Esses resultados enfatizaram a importância da atuação precoce sobre os fatores de risco para prevenção de demência [11].


Outro estudo [12] em indivíduos independentes, com idade entre 65 e 84 anos, analisou a influência dos fatores de risco vascular (FRV) e a alteração de substância branca relacionadas com a idade sobre a performance neuropsicológica, com o intuito de avaliar dano cognitivo adicional pelos FRV em adição aos efeitos das alterações da substância branca. Essa coorte foi avaliada por meio de uma bateria de testes neuropsicológicos. Os autores concluíram que as alterações da substância branca se relacionaram com pior performance na função executiva, na atenção e na velocidade. Por outro lado, a hipertensão arterial, o AVC prévio e a DM influenciaram a performance neuropsicológica, independentemente da severidade da alteração da substância branca, reforçando a necessidade do controle dos fatores de risco vascular para prevenir o declínio cognitivo do idoso [12].


Outros estudos [13,14] avaliaram a influência da hipertensão arterial com o declínio cognitivo. Uma coorte do Longitudinal Population Study mostrou que hipertensão arterial prévia pode aumentar o risco para demência por induzir doença de pequenos vasos e lesões de substância branca. Também foi observado declínio na pressão arterial anos antes do início da demência, sem que fosse concluído se essa queda é causa ou consequência da doença cerebral.


O Honolulu-Asia Aging Study [13], com base em uma comunidade de homens japoneses-americanos livres de demência, avaliou se a pressão de pulso (PP) estava relacionada com o aparecimento de demência. O estudo incluiu 2.505 participantes, com média de idade de 57,9 anos (considerada no estudo como meia-idade) na primeira avaliação e 76,9 anos na primeira avaliação para demência. A partir de então, foram acompanhados por uma média de 5,1 anos. Não houve relação entre demência e nenhum tertil de PP; entretanto, a pressão sistólica isolada (PSI) foi o melhor preditor. O estudo concluiu que, para homens na meia-idade, a PSI é o componente mais forte da pressão arterial que prediz a incidência de demência [13].


A maioria dos estudos sobre a relação entre pressão arterial e cognição foi realizada com coortes de populações de meia-idade e idosos. No entanto, em um estudo longitudinal de 20 anos com 529 participantes, constituindo dois grupos (um de 18 a 46 anos e outro de 47 a 83 anos) com altos níveis basais de pressão arterial sistólica e diastólica em ambos, houve forte associação a declínio nas habilidades cognitivas. Os resultados sugerem que, assim como os idosos, os adultos jovens são vulneráveis aos efeitos da hipertensão arterial sobre a função cognitiva [14,15].


Apesar das controvérsias, diversos estudos prospectivos têm encontrado associação entre DM e aumento de risco de declínio cognitivo e demência [16]. Uma revisão sistemática de 14 estudos encontrou que o DM está associado ao aumento no risco de desenvolvimento de qualquer tipo de demência, incluindo DA [17]. Os achados de acordo com a metodologia dos estudos sugerem que alteração na glicose, doença vascular, insulina e metabolismo amiloide são elementos relevantes da fisiopatologia, embora seu mecanismo seja incerto, sendo necessários estudos adicionais [17]. O estudo da cidade de Vantaa, na Finlândia, concluiu que pacientes idosos com DM desenvolvem patologia vascular mais extensa, particularmente nos portadores de APOE4, o que também resulta em aumento do risco de demência.


Diversos estudos prospectivos mostram relação positiva entre o fumo na meia-idade e na velhice e o aumento no risco de demência [11,18]. Uma metanálise de 19 estudos com acompanhamento de pelo menos 1 ano concluiu que idosos fumantes apresentam risco de demência por DA, doença vascular e qualquer outro tipo de demência, além de associar o fumo com declínio no desempenho no miniexame do estado mental (Minimental) [11].


No Honolulu Heart Program [18], o fumo foi associado à DA e a todas as demências combinadas. Nos resultados de necropsias foram observadas mais placas neuríticas nos que fumavam cigarros em maior quantidade. Dados derivados do Health Survey for England, do Adult Psychiatric Morbidity Survey e The Health Improvement Network estimam que, dos 10 milhões de fumantes do Reino Unido, em torno de 3 milhões têm evidência de doença mental, tendo sido objeto de um editorial da revista Lancet em março de 2013, mostrando a grande preocupação com a relação entre o fumo e a saúde mental.


Diversos trabalhos buscaram a correlação entre colesterol e o risco do desenvolvimento de demência [11,19]. Alguns trabalhos encontraram forte relação entre colesterol elevado e demência nos indivíduos sem a presença do alelo APOE4, provavelmente pela influência desse genótipo na captação do colesterol [19].


Dentre as evidências mais aceitas, com relação inversa com DA, encontra-se o estilo de vida, considerando-se a atividade física, a sociabilidade e a atividade cognitiva, apesar de ainda ser obscura sua real ação [5,20].


A aterosclerose tem sido implicada como fator de risco para o desenvolvimento de demência, tanto vascular como por DA.


Conclusões


Embora as doenças cardiovascular e cerebrovascular com manifestação clínica sejam fatores de risco estabelecidos para declínio cognitivo e demência, não há muitas informações sobre os indivíduos que não apresentam as manifestações clínicas dessas doenças. Alguns estudos, entretanto, encontraram acelerado declínio nos testes de performance de memória, fala e testes de associação semântica e de fluência verbal em pacientes de casas geriátricas sem manifestações clínicas de doença cardiovascular ou cerebrovascular. O espessamento médio intimal ou a presença de placas bilaterais das carótidas foram fortes preditores de demência [21].


Os achados da relação da doença aterosclerótica e declínio cognitivo e demência sugerem fortemente que a intervenção precoce sobre as doenças ainda subclínicas e sobre os fatores de risco cardiovascular poderiam retardar o início dos quadros de demência e de DA.


Os pontos de relevância s serem considerados são os seguintes:


  • A idade permanece como o mais forte fator de risco para demência, principalmente por DA
  • O primeiro passo na investigação da DA é conhecer a história familiar
  • Os fatores de risco vascular – hipertensão arterial, DM, fumo, hipercolesterolemia, sedentarismo, obesidade na meia idade – têm sido ligados à demência, inclusive à DA e à demência vascular
  • Os estudos observacionais sugerem que o estilo de vida – particularmente, atividade social, mental e física – está inversamente associado com o risco de demência
  • Outros fatores como o consumo em excesso de álcool e depressão podem aumentar o risco para a demência e DA.

Referências bibliográficas


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