Esporotricose

Esporotricose

A esporotricose é uma infecção subaguda ou crônica, causada por um fungo dimórfico denominado Sporothrix schenckii (Ss). A doen­ça caracteriza-se por lesões polimórficas da pele e do tecido subcutâ­neo, com frequente comprometimento dos linfáticos adjacentes. A maioria dos casos envolve primariamente a pele e, eventualmente, mucosas. A disseminação para outros órgãos e tecidos – como ossos, ­músculos e ar­ticulações, bem como órgãos internos – ocorre em pacientes imunodeprimidos (alcoó­latras, com AIDS, com diabetes etc.).


A esporotricose é uma doença universal, porém apresenta maior ocorrência nos climas tropical e subtropical. Surtos epidêmicos já foram descritos, tendo o mais conhecido ocorrido na década de 1940 na África do Sul, quando 3.000 mineiros foram infectados. Na América Latina, a maioria dos casos relatados é procedente do Brasil. No Uruguai, 80% dos casos de esporotricose foram diagnosticados em caçadores de tatu. Trata-se de uma doen­ça preferencialmente de zona rural e endêmica em certas re­giões.


Micose subcutâ­nea de maior prevalência, a esporotricose era antigamente tida como doença profissional, em virtude da alta incidência entre jardineiros e empalhadores. Nos últimos 15 anos, foi observado, sobretudo no Rio de Janeiro, um aumento progressivo, de casos de esporotricose em pessoas que lidam com gatos. A enfermidade foi considerada então uma epidemia. No entanto, com o número crescente de casos, o qual permanece elevado há anos, a doença já é vista como uma endemia com elevada magnitude nas taxas de incidência.


Por muitas décadas, a esporotricose foi atribuí­da a um único patógeno. Recentemente, porém, vários estudos moleculares envolvendo uma série de isolados de Ss de diferentes re­giões geográficas demonstraram uma grande variedade genética, com diversas linhagens filogenéticas, levando à conversão do Ss em um complexo de 6 espécies, formado por S. schenckii, S. albicans, S. lurie, S. brasiliensis, S. globosa e S. mexicana. A S. brasiliensis estaria relacionada à endemia do Rio de Janeiro.


O Ss é um saprófito com reservatório natural no solo, em vegetais, palhas e madeira apodrecida. Em geral, os gatos com esporotricose desenvolvem lesões ricas em parasitas, com sinais e sintomas graves e progressão para a morte. Os gatos falecidos dessa doen­ça precisam ser cremados, pois, quando enterrados ou simplesmente abandonados, perpetuam a proliferação do fungo no meio ambiente.


O perío­do de incubação é de 3 dias a 12 semanas (tendo média de 3 semanas), com o surgimento, na ­área traumatizada, de lesão que costuma ser bloqueada pelo sistema imunológico, permanecendo localizada ou invadindo os linfáticos regionais. Quando a resistência é alta, não há o desenvolvimento da doen­ça; a intradermorreação com a esporotriquina é positiva em pessoas saudáveis de ­áreas endêmicas. Esporadicamente, a infecção pode processar-se também pelas vias respiratórias ou por via digestiva e, nesse caso, o resultado é o aparecimento de doen­ça sistêmica.


Clinicamente, a esporotricose pode ter várias apresentações, sendo mais comum a cutaneolinfática, seguida pelas formas cutâ­nea localizada (20%), disseminada (cutânea ou sistêmica) e extracutâ­nea (mucosa, óssea, ­ocular, ar­ticular, visceral).


A forma cutaneaneolinfática é a mais comum (70% dos casos); a lesão inicial pode ser pápula, nódulo/goma que ulcera, surgindo então novos nódulos/gomas ao longo de um ou até mesmo mais de um trajeto linfático até a cadeia ganglionar regional (cordão linfangítico centrípeto); pode ocorrer adenopatia regional discreta. Essa forma localiza-se preferencialmente nos membros superiores de adultos e na face de crianças.


A forma cutânea localizada (verrucosa) é decorrente de uma boa resistência e caracteriza-se por lesão papulosa ou papulotuberosa, por vezes formando placa verrucosa com ou sem ulceração; podem existir lesões-satélites mínimas e lesões eritematoescamosas. A face é o local de eleição. A apresentação verrucosa impõe o diagnóstico diferencial com as doen­ças que compõem o grupamento PLECT, ou seja, paracoccidioidomicose, leishmaniose, esporotricose, cromomicose e tuberculose.


A forma disseminada pode ser cutâ­nea ou sistêmica e está sempre associada a algum tipo de imunodepressão. Ambas decorrem de inoculação, ingestão ou inalação do Ss. A forma disseminada cutânea apresenta lesões papulopustulofoliculocrostosas, placas ou úlceras em qualquer parte do tegumento por disseminação hematogênica e cultura positiva para o Ss em cada lesão. Apesar da disseminação de lesões, em geral, é assintomática. A forma disseminada sistêmica caracteriza-se por dois ou mais sistemas acometidos (sendo os principais SNC, pulmão, osteo­ar­ticular e medula óssea), com cultura positiva, além da ocorrência de febre e do comprometimento do estado geral.


A localização mucosa pode ser por inoculação direta (primária) ou secundária à forma disseminada, assim como ocorre com o olho. Nele, a forma intraocular é por disseminação hematogênica enquanto o acometimento da região anterior é decorrente de autoinoculação ou trauma. A expressão clínica pode se dar por meio de nódulos, vegetação e ulceração; qualquer mucosa pode ser acometida.


No diagnóstico diferencial, devem ser levadas em consideração a leishmaniose, na qual são observadas úlcera grande e linfangite pequena – ao contrário da esporotricose, em que há úlcera pequena e linfangite grande –, as demais doen­ças que compõem o grupamento PLECT, outras micoses e mesmo tumores, como basocelular, espinocelular e ceratoacantoma. Sobretudo em crianças com lesões na face, pode lembrar ectima, cisto infectado ou mesmo abscesso. Pode haver cura espontânea, sobretudo nas formas localizadas.


O diagnóstico é feito fundamentalmente por meio de material obtido por aspiração de nódulos flutuantes ou fragmento de biopsia da lesão, os quais são inoculados nos meios de cultura apropriados à temperatura ambiente e a 37°C, sendo encontradas, respectivamente, as formas miceliana e leveduriforme, já que se trata de um fungo dimorfo. Embora o tempo de crescimento já tenha sido caracteristicamente rápido (3 a 5 dias), atualmente deve-se aguardar até 14 dias para descartar esse diagnóstico. O exame direto é excepcionalmente positivo.


Na imunofluorescência direta, o parasita é revelado com certa facilidade, mesmo nos tipos localizados.


Atualmente, o tratamento com itraconazol é empregado com grande eficácia. Contudo, é bem mais dispendioso que a clássica solução saturada de iodeto de potássio. A dose varia, segundo a gravidade, de 100 a 400 mg/dia em 1 ou 2 tomadas por via oral, até a cura clínica. Em crianças, são usados 5 mg/kg/dia. Nas formas cutaneolinfática e localizada, a dose é de 100 a 200 mg/dia. É obrigatória a administração após a refeição. A anfotericina B é utilizada nas formas graves (0,5 a 1,0 mg/kg/dia). Terbinafina 500 mg, em 2 tomadas/dia apresenta taxa de cura maior que o itraconazol. Calor local (termoterapia) é de reconhecida eficácia, assim como a criocirurgia.


A solução saturada de iodeto de potássio KI (2 a 4 g/dia) é eficaz e barata. Inicie com 5 gotas em cada refeição (3 vezes/dia) e aumente gradativamente, conforme a tolerância do indivíduo, até chegar à dose ideal de 20 a 30 gotas em cada refeição.


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