Obesidade e Microbiota

Obesidade e Microbiota

Por Dra. Alane Beatriz Vermelho – A obesidade é um problema global, que atinge 2 bilhões de pessoas e vem crescendo no mundo, ocasionando uma série de doenças metabólicas. Por ser uma condição multifatorial, o tratamento da obesidade é um desafio, no qual hormônios, neuropeptídios, tecido adiposo e o sistema gastrintestinal (SGI) estão envolvidos. Estudos realizados nos últimos anos têm demostrado que a microbiota ‒ formada por uma série de microrganismos que incluem bactérias, arqueas, fungos, protozoários e vírus que habitam o SGI ‒ tem um papel relevante nesse processo. Os trabalhos, entretanto, têm se concentrado mais nos procariotos (bactérias e arqueas).


Mais de 1014 bactérias com aproximadamente 1.000 espécies habitam o intestino humano. A relação simbiótica entre os microrganismos e o intestino é complexa, tendo-se definido o conceito holobionte para designar as unidades ecológicas de relações simbióticas entre espécies diferentes. A microbiota humana influencia os sistemas metabólico, imunológico, imunitário intestinal e, consequentemente, a saúde humana.


Evidências recentes relacionam a disbiose intestinal com várias doenças, como alergia e obesidade. A disbiose ocorre devido a um desequilíbrio quantitativo dos microrganismos que participam na microbiota intestinal em indivíduos normais. A microbiota intestinal varia em cada indivíduo e depende, além da genética, de fatores como dieta, digestão, estilo de vida, exercícios físicos e exposição a antibióticos. Idade, sexo, localização geográfica, doenças e alterações na barreira intestinal também influenciam.


A alimentação humana muda com o passar do tempo e o alto consumo de alimentos industrializados tem diminuído a ingestão de polissacarídios de plantas que dão grande suporte à microbiota intestinal. Gordura, proteínas, polifenóis e micronutrientes são essenciais para a manutenção da microbiota. Desiquilíbrios na diversidade e na composição da microbiota intestinal podem levar a uma série de doenças ligadas à alimentação, como inflamação intestinal, câncer colorretal, síndrome metabólica, resistência à insulina, diabetes e obesidade.


Em pessoas saudáveis são encontrados seis filos bacterianos: Bacteroidetes, Actinobacteria, Firmicutes, Proteobacteria, Fusobacteria e Verrucomicrobia, com predominância dos três primeiros. Firmicutes é responsável por 60% das bactérias na microbiota humana, com mais de 200 gêneros, sendo os mais importantes Bacillus sp, Clostridium sp e Mycoplasma sp. Documentou-se um desiquilíbrio da microbiota intestinal em indivíduos obesos, com mudanças principalmente na proporção entre Firmicutes e Bacteroidetes (excesso de Firmicutes e redução da diversidade), embora alterações de outras bactérias tenham sido associadas à doença metabólica.


A análise da microbiota intestinal de pacientes obesos pós-cirurgia bariátrica mostrou que as proteobactérias diminuíram depois da gastrectomia vertical laparoscópica e aumentaram após a realização do bypass gástrico laparoscópico (BGL). Também depois do BGL, associado a uma dieta saudável, houve aumento da Prevotella (filo Bacteroidetes).


Estudo feito por Le Chatelier et al. (2013) com 123 pessoas não obesas e 169 obesas correlacionou a microbiota com o metabolismo humano. A riqueza da microbiota foi expressa em dois grandes grupos: alta contagem de genes (HGC) e baixa contagem de genes (LGC), correspondendo, respectivamente, a indivíduos com microbiota abundante e menos abundante. O estudo mostrou que no grupo HGC havia muitos microrganismos produtores de butirato, bactérias acetogênicas e metanogênicas. Já no grupo LGC havia muitas espécies de bactérias pró-inflamatórias, com metabolismo de degradação de beta-glucuronidase e aminoácidos essenciais. No grupo LCG, havia prevalência de Bacteroides sp, Parabacteroides sp, Ruminococcus (R. torques e R. gnavus), Campylobacter sp, Dialister sp, Porphyromonas sp, Staphylococcus sp e Anaerostipes sp; no grupo HGC, foram encontrados 36 gêneros, incluindo Faecalibacterium sp, Bifidobacterium sp, Lactobacillus sp, Butyrivibrio sp, Alistipes sp, Akkermansia sp, Coprococcus sp e Methanobrevibacter sp.


A menor parte da população estudada era LCG (23%) e o fenótipo de adiposidade das pessoas LGC foi associado ao aumento da leptina sérica, à diminuição da adiponectina sérica, à resistência à insulina, à hiperinsulinemia, ao aumento dos níveis de triglicerídios e de ácidos graxos livres, à diminuição do colesterol HDL e a um fenótipo inflamatório mais acentuado. Embora a LCG tenha sido encontrada no grupo de indivíduos não obesos, a ocorrência foi maior entre os obesos. Além disso, observou-se aumento significativo do índice de massa corporal (IMC) no grupo de obesos LCG no período de 9 anos.


Embora os estudos realizados nos últimos anos ainda não estabeleçam uma relação funcional completa entre a microbiota do SGI com a obesidade, é possível identificar microrganismos relacionados a essa condição que podem ser usados como marcadores. É importante ressaltar que novas possiblidades de controle e prevenção da obesidade têm surgido, como mudanças na alimentação e no estilo de vida e novas terapias, que incluem o transplante de microbiota fecal de doadores saudáveis magros.


Referências


Campisciano G, Palmisano S, Cason C, Giuricin M, Silvestri M, Guerra M, et al. Gut microbiota characterization in obese patients before and after bariatric surgery. Benef Microbes. 2018;9(3):367-73.


Cho JA, Chinnapen DJF. Targeting friend and foe:Emerging therapeutics in the age of gut microbiome and disease. J Microbiol. 2018;56(3):183-8.


Le Chatelier E, Nielsen T, Qin J, Prifti E, Hildebrand F, Falony G, et al. Richness of human gut microbiome correlates with metabolic markers. Nature. 2013;500(7464):541-6.


Lone JB, Koh WY, Parray HA, Paek WK, Lim J, Rather IA, et al. Gut microbiome: Microflora association with obesity and obesity-related comorbidities. Microb Pathog. 2018pii:S0882-4010(18)30730-7.


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