Como decidir a conduta na paciente com endometriose?

Como decidir a conduta na paciente com endometriose?

Por Dr. Ricardo Bassil Lasmar – A endometriose é uma doença frequente na população feminina em idade reprodutiva, e ainda há grandes dificuldades em se estabelecer condutas a seu respeito. Não há um consenso na literatura sobre quando se deve indicar o tratamento cirúrgico ou clínico, principalmente em casos de endometriose leve com sintomatologia associada (dor ou infertilidade).


Estima-se que ocorra em 10% das mulheres em idade reprodutiva e é uma das principais causas de dor pélvica e infertilidade. É causa de transtornos psicológicos, ausências persistentes no trabalho e problemas conjugais. Hoje, é possível e recomendado fazer o diagnóstico com uma anamnese detalhada, exame físico minucioso, incluindo o toque vaginal e retal, e exames de imagem precisos. No entanto, sabe-se que o tempo médio de início dos sintomas até o diagnóstico da doença pode chegar a 10 anos.


A questão mais difícil é a decisão do tipo de tratamento, pois estamos diante de uma paciente jovem, na maioria sem filhos, com desejo de gestar no futuro. Mesmo sabendo que o tratamento medicamentoso hormonal não trata a paciente, isto é, não destrói os focos de endometriose, nem mata as células endometriais ectópicas, ele possui indicação, pois melhora as queixas álgicas das pacientes que não têm recomendação para cirurgia.


O tratamento pode ser clínico ou cirúrgico dependendo do grau de acometimento da doença, sendo importante o desejo da paciente na condução de cada caso. A abordagem cirúrgica parece bem estabelecida para casos de endometriomas de grandes volumes ou quando há comprometimento funcional de algum órgão importante (intestino, rim, ureter e outros). Quadros álgicos importantes, refratários ao tratamento clínico, também têm indicação cirúrgica.


Quando há indicação de cirurgia, o consenso é de que seja realizada por serviço especializado em endometriose, pois a melhor cirurgia é aquela que retira toda a doença em uma única operação. O mesmo serviço não é indicado para as pacientes que necessitam de acompanhamento clínico, achamos interessante que estas sejam controladas pelos seus próprios ginecologistas.


Em 2012, Lasmar and col. desenvolveram um sistema para avaliação da conduta em pacientes com endometriose, chamado de “ECO System”. Este sistema leva em consideração a queixa clínica da paciente, os achados do exame físico e/ou de imagem e o desejo da paciente, qualificando e quantificando mediante escore cada um desses três parâmetros. O Eco Sistema foi validado em 2015 em um estudo multicêntrico internacional, com professores da Alemanha.


A partir destes parâmetros, um escore total é somado, sugerindo a conduta: tratamento clínico, cirúrgico ou casos em que um ou outro poderiam ser adequados.


O escore ECO é formado pelas seguintes variáveis: Extensão da Doença (0: peritoneal, 1: útero, ligamentos e/ou endometrioma ≤3 cm, 2: Intestino e/ou bexiga, ureter, endometrioma ovariano > 3 cm); Clínica da paciente (0: assintomática, 1: infertilidade ou dor não incapacitante, 2: dor incapacitante e ou disquezia, dispareunia, disúria, dismenorreia); Objetivo da paciente (0: Não mudar nada, aceitar a situação, 1: Deseja engravidar ou melhorar da dor, 2: Deseja engravidar e melhorar da dor). (Tabela 1)


A conduta é sugerida pelo ECO a partir do escore total obtido, de 0 a 3 sugere acompanhamento clínico, escore 4 permite acompanhamento clínico ou intervenção cirúrgica e o escore de 5 a 6 sugere cirurgia.




Lasmar RB and cols. Validation of a score to guide endometriosis therapy for the non-specialized gynecologist. IJGO 2015


Acreditamos que a utilização do ECO Sistema pelos ginecologistas não especializados em endometriose permitiria o acompanhamento clínico, com ou sem medicação por esses colegas, sendo o escore da paciente igual ou menor do que 3. Esses médicos poderiam solicitar um parecer a um serviço especializado no caso de o ECO sistema ter escore 4, para que, se não houvesse indicação cirúrgica, ficassem seguros com o seu controle clínico. E as pacientes com escore 5 e 6 deveriam ser enviadas aos serviços especializados em endometriose para tratamento cirúrgico adequado, evitando aumento de risco de progressão da doença.


Como demonstramos no capítulo de endometriose do Tratado de Ginecologia de Lasmar de 2017 o diagnóstico de endometriose é clínico-laboratorial, não sendo necessária a laparoscopia para o diagnóstico, e, sim, apenas para tratamento. Esperamos que a aplicação desta ferramenta possa fazer com que o ginecologista não especializado em endometriose atenda com segurança todas as pacientes que não tenham indicação de cirurgia. Sempre levando em conta que, na dúvida, no caso de escore 4, pedir um parecer de um serviço especializado, e que o controle da paciente deve ser periódico, de seis em seis meses ou anual, para monitorar qualquer mudança do quadro.


A paciente com endometriose merece todo o cuidado, pois seu sofrimento e incompreensão são de longa data.


Leituras sugeridas


Burney RO, Giudice LC. Pathogenesis and pathophysiology of endometriosis. FertilSteril. 2012;98(3):511-9.


Fourquet J, Gao X, Zavala DC, Orengo J, Abac S, Ruiz A et al. Patients’ report on how endometriosis affects health, work, and daily life. Fertil Steril. 2010;93(7):2424-8.


Ioanna T, M.B., Ch.B., M Kyrgiou, M.D., T. Gelbaya, M.D., L. Nardo, M.D.The effect of surgical treatment for endometrioma on in vitro fertilization outcomes: a systematic review and meta-analysis. Fertil and Steril. 2009;92:75-87.


Lasmar RB, Simões Abraão M, Lasmar BP, De Wilde RL. Simplified approach to thetreatment of endometriosis – ECO system. Minerva Ginecol. 2012;64(4):331-5.


Lasmar RB, Lasmar BP, Celeste RK, Larbig A, De Wilde RL. Validation of a score to guide endometriosis therapy for the non-specialized gynecologist. IJGO 2015 Oct;131(1):78-81.


Lasmar RB et al.Tratado de Ginecologia.1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.


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