Como diagnosticar e tratar a paciente com endometriose?
- 9 de jan de 2017
A endometriose é uma doença representada pela presença de tecido com características de endométrio também fora da cavidade uterina. Esse endométrio ectópico é semelhante funcionalmente ao endométrio tópico – isto é, tem fase proliferativa, secretora e descamação com sangramento.
Esta doença acomete de 10 a 15% da população feminina em idade reprodutiva e em qualquer lugar no mundo. A doença leva de 7 a 10 anos para ser diagnosticada. É considerada profunda quando penetra mais de 5 mm no tecido. Por isso, quando no exame físico percebemos as lesões, denominamos de endometriose profunda, pois, para percebermos alguma alteração no toque, certamente a lesão tem mais de 5 mm.
Endometriose como provável diagnóstico
Há uma busca permanente por um marcador biológico. Para facilitar o diagnóstico e diminuir o intervalo de tempo entre os sintomas e a confirmação, por muitos anos, acreditávamos ser o CA 125 este marcador. Também pensamos, por longo período de tempo, que a laparoscopia seria a melhor e mais adequada forma de se diagnosticar endometriose. Hoje sabemos que o CA 125 não é específico para endometriose, podendo estar elevado diante de miomas ou tumores de ovário e até mesmo normal em pacientes com endometriose profunda.
E a laparoscopia?
Como método de rastreio é impossível, para qualquer país, pois não se tem verba para fazer laparoscopia em 10% da população feminina. Além disso, a laparoscopia é a visão da cavidade abdominal e pélvica, sendo incapaz de identificar lesões profundas de septo retovaginal ou intestinal, principalmente em casos com extensas aderências, no qual a doença fica encoberta pelo processo aderencial. A indicação da laparoscopia como método propedêutico na endometriose tem aumentado o diagnóstico equivocado de pelve congelada inoperável e de paciente com endometriose profunda com diagnóstico laparoscópico de pelve normal. Ambas com graves consequências para a paciente.
Então como poderemos fazer?
Atualmente, acreditamos que o melhor marcador para endometriose é clínico: dismenorreia. Isso nos leva a um caminho mais adequado ao trabalho de todos nós ginecologistas, pois, com uma boa anamnese, poderemos suspeitar da doença. Desta forma, havendo tecido endometrial fora da cavidade uterina e este tiver seu ciclo coincidente com o endométrio tópico, poderemos ampliar nossas atenções às queixas das pacientes, pois, conforme o sítio da endometriose, acontecerão queixas coincidentes com a menstruação, isto é, cíclicas.
A dor irá variar dependendo do sítio da endometriose, a dismenorreia pode ser explicada por estar relacionada ao acometimento de uma víscera muscular oca, assim como a disquesia. Poderá ser em fisgada, pontada, queimação ou mesmo na deambulação, quando acomete terminações nervosas.
Quanto ao sangramento, ocorre apenas quando a doença acomete a luz do órgão ou a estrutura, como na hematoquesia, em que a doença já acomete a mucosa intestinal. Com isso, poderemos evoluir para a ideia de desconforto cíclico, que, quando coincidente com a menstruação, é um marcador clínico para endometriose.
Há pacientes com endometriose com queixa de dor permanente, mas, com uma anamnese mais precisa, veremos que o desconforto piora na menstruação e que a evolução do processo veio da dor cíclica para a permanente.
De fato, existem lesões que não levam à dor cíclica, apenas no contato. Estas são as retrocervicais, uterossacrais, vaginais e retrouterinas, que causam dispareunia de posição, geralmente dor à penetração profunda em algumas posições, principalmente quando a mulher está em apoio nos quatro membros.
A lesão de ureter é mais grave, pois é assintomática e pode, com a evolução e consequente estenose do ureter, levar à perda da função renal. Esta deverá ser afastada sempre quando forem observadas lesões laterais, parametriais, assim como em grande endometriomas ovarianos fixos.
O exame físico é muito importante e inclui exame especular para avaliação da vagina e do colo do útero; toque bimanual e toque retal, ambos para percebermos a forma, mobilização, nódulos e dor. Quase 90% das lesões de endometriose são de compartimento posterior e elas podem ser percebidas no toque retal.
Os exames de imagem, ultrassonografia ou ressonância magnética bem-feitos confirmam e ampliam o diagnóstico dos sítios de endometriose. No entanto, o exame físico completo poderá identificar lesões menores, sem significado nos exames de imagem.
Os exames de imagem são fundamentais para registrar a extensão da doença e devem ser realizados após a avaliação ginecológica para que o profissional possa fazer uma investigação mais orientada e precisa. As orientações para os exames devem seguir as regras de cada serviço.
Indicação da cirurgia
Como a endometriose acomete a paciente principalmente no período fértil e costuma levar à dor e à infertilidade, a decisão da conduta não é simples para nós, ginecologistas.
Sabemos que o tratamento medicamentoso hormonal não destrói os focos de endometriose, mas pode aliviar muito os sintomas da doença, inclusive melhorando a qualidade de vida da paciente. O tratamento hormonal, no entanto, impede a paciente de engravidar, estando contraindicado para aquelas que desejam ter filhos.
Então, como saber quando o tratamento hormonal, bloqueando a ovulação e/ou a menstruação, é eficiente e seguro para a paciente e quando a indicação cirúrgica trará mais benefícios para a paciente?
Com essas questões, colocamos três parâmetros fundamentais para decidir a abordagem: extensão da doença, queixas ou clínica da paciente e o objetivo desta, cada um subdividido em três estágios, correlacionados com a intensidade. Dessa forma, foi criado o ECO sistema. (Tabela 1).
Com essa proposta, fizemos um trabalho multicêntrico com a Pius Clinic Oldenburg, da universidade de Goettingen, na Alemanha, com 166 pacientes para validar esses parâmetros. Na publicação de Validation of a score to guide endometriosis therapy for the non-specialized gynecologist, no International Journal of Gynecology and Obstetrics IJGO, de 2015, foi demonstrado que o ECO sistema é um instrumento eficiente para orientar a conduta para o ginecologista não especialista. Essa proposta permite que apenas pacientes selecionadas sejam encaminhadas aos centros especializados; ou seja, aquelas que tenham a soma dos escores ≥ 4. Por outro lado, as pacientes com escores totais de 0 a 3 poderão ser acompanhadas pelo seu ginecologista, com tratamento hormonal associado na maioria dos casos. No escore 4, metade das pacientes foi operada, isso mostra a necessidade de avaliação pelo especialista, que, uma vez não indicando conduta cirúrgica, encaminhe novamente a paciente ao seu ginecologista (Tabela 2).
No nosso serviço, quando indicamos a cirurgia para endometriose, preenchemos o MAPA com os sítios da doença e levamos ao centro cirúrgico. Este MAPA pode ser encontrado e utilizado no endereço eletrônico http://www.ginendo.com/MAPforENDOMETRIOSIS.html.
A paciente com endometriose, além do medo de uma possível infertilidade, vem com sofrimento cíclico e crônico por mais de 7 anos. Assim, cabe a nós, ginecologistas, acolhê-la e oferecer o tratamento adequado.
Leitura recomendada
Carneiro MM, Filogônio ID, Costa LM et al. Clinical prediction of deeply infiltrating endometriosis before surgery: is it feasible? A review of the literature. Biomed Res Int. 2013;2013:564153.
Chapron C, Fauconnier A, Vieira M et al. Anatomical distribution of deeply infiltrating endometriosis: surgical implications and proposition for a classification. Hum Reprod. 2003;18(1):157-61.
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Lasmar RB, Abraão MS, Lasmar BP et al. Simplified approach to the treatment of endometriosis-ECO system. Minerva Ginecol. 2012;64(4):331-5.
Lasmar RB, Lasmar BP, Celeste RK et al. Validation of a score to guide endometriosis therapy for the non-specialized gynecologist. Int J Gynecol Obstet. 2015; pii: S0020-7292(15)00430-0.
Lasmar RB, Lasmar BP, Pillar C. Diagram to map the locations of endometriosis. Int J Gynaecol Obstet. 2012;118(1):42-6.
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