Insuficiência cardíaca: definição, epidemiologia, fisiopatologia e classificação

Insuficiência cardíaca: definição, epidemiologia, fisiopatologia e classificação

Por Dra. Rose Mary Ferreira Lisboa da Silvia – Insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica com sintomas e/ou sinais de intolerância aos esforços e/ou retenção hídrica, causada por alterações cardíacas funcionais e/ou estruturais, resultando em diminuição do débito cardíaco e/ou aumento das pressões intracardíacas.[1] De acordo com dados que ilustram essa pandemia, tem prevalência de 2% na população geral, alcançando até 20% em indivíduos entre 70 e 80 anos de idade. O risco de IC após os 40 anos é de 20%. Além da idade, sua incidência varia com a etnia e a condição socioeconômica, sendo mais recorrente em negros e pessoas com baixa renda. Sua taxa de internação pode atingir 44%, sendo a reinternação dentro de um mês de 25%. A mortalidade total varia de 7 a 17%, dependendo da região.[1-3]

Fisiopatologia

Há um evento-índice para sua deflagração, na maioria das vezes composto por doença arterial coronariana e hipertensão arterial sistêmica. A etiologia chagásica ocorre principalmente na América do Sul e a reumática na África e na Ásia.[4]

A interação entre o evento-índice e a IC inclui alterações celulares e moleculares, resultado em uma fisiopatologia complexa.[2,3,5] A queda do débito cardíaco (DC) e o aumento do volume diastólico ventricular deflagram mecanismos neuro-humorais compensatórios. Com a diminuição do DC, não há distensão da parede vascular, resultando em menor ação de sinais inibitórios centrais por meio dos barorreceptores. Assim, há a ativação do sistema nervoso simpático, com aumento da frequência cardíaca e da vasoconstrição periférica com o objetivo de manter a perfusão para os órgãos vitais. Entretanto, o aumento da noradrenalina irá promover, ao longo do tempo, uma hiporresponsividade dos receptores beta-1. A queda do DC, com consequente diminuição da perfusão renal, e a ativação simpática ativam concomitantemente o sistema renina-angiotensina-aldosterona, por meio das células justaglomerulares. Estas secretam renina, a qual converte o angiotensinogênio (proveniente do fígado) em angiotensina I, que, por sua vez, é convertida em angiotensina II pela enzima conversora de angiotensina, presente nas células endoteliais dos capilares pulmonares e renais. A angiotensina II, atuando no receptor AT1, por suas propriedades vasoconstritoras, aumenta a pressão arterial e a atividade simpática. Além disso, a ativação do receptor AT1 eleva a liberação de aldosterona, que promove a reabsorção de sódio nos túbulos distais, resultando em aumento da osmolaridade plasmática. Esta, por sua vez, ativa os osmorreceptores, localizados no hipotálamo anterior, os quais são os principais estímulos para a secreção hormônio antidiurético, com reabsorção de água nos túbulos coletores renais. A curto prazo, esses mecanismos são benéficos para tentar manter o DC.

O estresse e a sobrecarga mecânica sobre os cardiomiócitos, associados a menor ação parassimpática, infecção e isquemia tecidual, estimulam a produção de citocinas pró-inflamatórias. A ativação do sistema de citocinas inflamatórias (fator de necrose tumoral, interleucina 1, interleucina 6, galectina 3), assim como dos demais sistemas neuro-humorais já descritos, resultam em dessensibilização do receptor adrenérgico, inotropismo e lusitropismo negativos, apoptose e remodelamento ventricular, ou seja, são deletérios com sua ativação crônica.[2,3,5]

Há um sistema modulador (neuro-humoral contrarregulador) que também é ativado precocemente. Ele inclui prostaglandinas e prostaciclinas vasodilatadoras, peptídeos natriuréticos (cujas ações são a natriurese e a vasodilatação), bradicinina, óxido nítrico, entre outros. Entretanto, à medida que a IC progride, os efeitos dos peptídeos natriuréticos são atenuados, em virtude de sua disponibilidade reduzida, da maior ativação dos demais sistemas e da redução da resposta dos órgãos-alvo. [3,5]

Classificação

A classificação da IC é feita por estágios, conforme a presença de fatores de risco, cardiopatia estrutural e sintomas e sinais, enfatizando a progressão da síndrome (Tabela 1).[6] Outra possível classificação é pela fração de ejeção (FE), resultando em três estratos: FE reduzida (< 40%), preservada (> 50%) e intermediária (FE entre 40 e 49%). [1,6]

Conclusões

IC é uma pandemia, com aumento de prevalência com a idade e com maior incidência em negros. Suas principais etiologias são a isquêmica e a hipertensiva. Após o evento-índice, há a deflagração de mecanismos fisiopatológicos neuro-humorais.

Referências

[1] Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 2016;37(27):2129-220.

[2] Dharmarajan K, Rich MW. Epidemiology, Pathophysiology, and Prognosis of Heart Failure in Older Adults. Heart Fail Clin. 2017;13(3):417-26.

[3] Bloom MW, Greenberg B, Jaarsma T, et al. Heart failure with reduced ejection fraction. Nat Rev Dis Primers. 2017;3:17058.

[4] Mann DL. Management of Patients With Heart Failure With Reduced Ejection Fraction. In: Libby P, Bonow RO, Mann DL, Zipes DP (eds.). Braunwald’s Heart Disease. 11. ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2019. p. 2040.

[5] Hasenfuss G. Pathophysiology of Heart Failure. In: Libby P, Bonow RO, Mann DL, Zipes DP (eds.). Braunwald’s Heart Disease. 11. ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2019. p. 2040.

[6] Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B et al. 2013 ACCF/AHA guideline for the management of heart failure: executive summary: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on practice guidelines. Circulation. 2013;128(16):1810-52.

 

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